Abóbora no vapor

08 - abóboraORDÁLIA ERA O NOME DELA – a generosa amiga que me deu a receita.

– Simples de fazer – dizia de facão na mão, pronta para atacar a abóbora de casca resistente.

– Pique em pedaços pequenos, mas não muito, viu?. Acrescente sal, azeite, temperos variados e escolha a panela certa – recomendava.

Sim. O tamanho da panela contava no resultado.

– Ah! Não esqueça o raminho de salsa por cima, só pra aromatizar.

A iguaria cozida no vapor exalava um delicado e irresistível aroma, que dava água na boca.

Ordália perdeu-se nas mudanças da vida. A receita adormeceu no caderno, até a chegada de um novo tempo.

Na pequena casa envolta em jardim, o cheiro das Rosas se espalhava por fora e por dentro, misturado aos odores da cozinha.

No fogão, um feijão se tornava tutu – à mineira – com o molhinho acebolado jogado por cima, enquanto a couve era assustada no óleo quente, bem depressa pra ficar verdinha. Tudo feito a quatro mãos.

O velho caderno desperto abriu suas páginas, trazendo de volta a lembrança da abóbora, ora compartilhada da feitura à degustação.

Enquanto duas mãos descascavam, picavam e lavavam, um par de outras espalhava diminutas porções de temperos, saídos de misteriosos potinhos.

Grossas rodelas de cebola e tomate ocupavam lugar na panela, enfeitadas pelo raminho de salsa. Alimento para o corpo e para a alma.

Não apenas Proust teve suas Madeleines, no volume intitulado “O Tempo Reencontrado”.

Abóboras, Rosas e jardins também são poderosas ferramentas para se ir “Em Busca do Tempo Perdido”.

(Para Rose, 2011)


Comentários

Uma resposta para “Abóbora no vapor”

  1. Primor de texto, além de deixar com água no beiço. O tempo perdido não se acha mais, posto que é fugaz, mas podemos tentar revive-lo. A receita está aí. Sirvam-se.

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