O Sino de Quinta-Feira
— O sino vai soar…
Apalpei o bolso da calça e dele retirei o celular para olhar as horas, faltava pouco mais de dez minutos para as 18 h, meu companheiro de trabalho tinha razão, dali a pouco tempo ouviríamos o badalar dos sinos da torre esquerda da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Piedade. A oeste, em direção ao final a Rua Floriano Peixoto, o Sol se punha, alaranjado, coberto por estranhas e tristes névoas, fruto de ações criminosas contra a mãe natureza que queima e chora, olhando para as ações clandestinas de alguns de seus filhos.
Pelas portas abertas da Santa Igreja, ao fundo, no alto do altar-mor, foi possível observar outra mãe, esta olhando para seu filho que jazia em seu colo. Um olhar amoroso e doloroso ao mesmo tempo, uma mãe que chora por dentro, que gritava internamente sem se importar, ao menos naquele momento, se Ele é Deus ou homem, se estava ou não se cumprindo a profecia, ali estava seu filho, pagando inocentemente pelos erros de outros, padecendo em seus piedosos braços, ali estava uma mãe, com olhar piedoso, calada.
Era uma quinta-feira, a Praça Comendador Martins estava sendo ressignificada, toda montada e sendo decorada para receber mais uma edição das festividades em homenagem à Padroeira Nossa Senhora da Piedade, nós acompanhávamos todos os preparativos atentos. Dali a três dias seria celebrado sua data durante a FestItália La Pietà.
— Logo vai soar, adoro som de sino.
Como que em uma cena de algum conto, daqueles que situações do cotidiano imediatamente se tornam momentos poéticos, pássaros começam a cantar na direção do coreto da praça. O corredor entre os dois canteiros principais estava todo coberto por luzes de cores quentes, formando um belo caminho que terminava iluminando todo o interior do charmoso coreto. O Sol já estava quase sumindo de vista, a noite começava a surgir, fato que realçava ainda mais aquele corredor iluminado.
— Meu amigo, olha que momento poético, o pôr do Sol, pássaros cantando, a praça, Nossa Senhora da Piedade – comentei com meu companheiro no instante em que olhávamos em direção às árvores atrás do coreto, lá os pássaros dançavam e cantavam como que celebrando a mãe piedosa, como que ensaiando para as músicas que alegrariam milhares de pessoas no próximo fim de semana.
— Você gosta de escrever poesia? Esse momento é propício!
— Lamento que não, na verdade sou um péssimo leitor de poesia, quem me dera escritor. Arrisco-me em crônicas…
— Acha que esse momento daria uma crônica?
— Não sei, quem sabe um dia… a propósito, que horas são?
Não houve tempo de responder, eram 18h, caia a tarde, serena e tranquila, quando escutamos as badaladas de Nossa Senhora da Piedade.
O sino soou.