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Estudar durante a pandemia (Parte I)

Texto publicado originalmente na edição de 26/06/2020 do Jornal Primeira Feira. Coluna: um dedinho de prosa.

O texto de hoje foi escrito por uma convidada muito querida, minha aluna e amiga Isabela Romancini, estudante da turma do Segundo Ano do Ensino Médio no Colégio Objetivo de Cabreúva. Isabela é uma garota talentosa e fiquei muito feliz com seu interesse em publicar um texto aqui no “dedinho de prosa”. São coisas assim que nos motivam como professor. Com uma admirável sensibilidade, Romancini conta para nós sua experiência com os estudos diante desse cenário tão complexo de pandemia que estamos vivendo. Uma boa leitura a todos!

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A pandemia é um acontecimento que tem causado um turbilhão de sensações e sentimentos a todos: surpresa, medo, ansiedade, espanto, preocupações. Ninguém estava esperando ter que ficar em isolamento social por tanto tempo, com tantas mudanças na rotina e devido a isso, tivemos de nos adaptar à nova realidade do mundo; principalmente como estudantes, os quais não estão mais tendo aulas presenciais, e sim, vivendo a experiencia de uma nova escola adaptada dentro de nossas casas. Acredito que grande parte dos alunos tinham traçado metas de estudo para este ano e tudo está sendo reformulado, replanejado.

Eu também, como uma estudante do Ensino Médio e vestibulanda de Medicina, confesso que nas primeiras semanas tive medo de não conseguir estudar tudo que é solicitado nos vestibulares. Neste cenário, foi um pouco complexo me acostumar com o estudo em casa, mesmo tendo acesso às aulas on-line e apoio dos meus professores.

Diante disso, toda a metodologia que eu utilizava antes para estudar teve de ser adaptada, pois estudar em casa não é tão fácil como muitas pessoas pensam. O modo de aprender em domicílio e na sala de aula são bem diferentes, pois presencialmente o aprendizado é mais interativo e dinâmico. Além disso, é possível sanar as dúvidas assim que surgem e contar com a presença dos amigos ao seu lado para estimular a estudar, uma vez que na escola um aluno ajuda o outro a compreender os conteúdos, solucionar os exercícios e isso faz com que a forma de aprender torne-se mais fácil e prazerosa. Já no aprendizado virtual, o contato é limitado e o estudante fica dependente do bom desempenho de ferramentas tecnológicas, técnicas, como uma boa conexão da rede wi-fi, por exemplo.

(Continua…)

Talvez

Saudade é uma coisa complicada, que eu nunca vou entender. Às vezes, dói feito a despedida de alguém que não vamos ver nunca mais. Noutras faz bem, como quando estamos prestes a reencontrar quem tanto esperamos.

Em outras ainda é doce, como lembrar de uma comida de que gostávamos muito na infância. E também é cheia de altos e baixos, como quando repassamos as etapas da nossa vida até nos construirmos como somos.

Temos saudade de pessoas que foram imprescindíveis na nossa trajetória, como pai, mãe, avós, mulher, marido. E de pessoas que apareceram uma única vez na nossa vida, mas que nos elevaram de patamar, como um professor.

Saudade de bichos de estimação, como cachorro ou gato, uma calopsita ou até um peixinho de aquário. E de bichos que nunca tivemos nem nunca foram domésticos, mas que passaram por nós, como um elefante na África.

Saudade de épocas malucas, como as encrencas de colégio, festas da adolescência, nossas viagens. E de coisas que víamos como perfeitas, como aquele amigo ou amiga que nos entendiam tanto que queríamos fossem eternos.

Eu tenho saudade de coisas que ninguém tem, como quando meu filho assoava o nariz no banho com tanta força que parecia que ia arrancar ou da minha filha mostrando só olhos debaixo de cobertor com o ar ligado.

Tenho saudade ainda e até do que não vivi, como as profissões que queria ter: já fui médico, astronauta, caubói, cantor, polícia, piloto de avião, bombeiro, atleta, motorista de caminhão, psicólogo, padeiro, pastor.

A saudade me absorve quando tomo mais que devia uísque, vinho ou cerveja, quando ouço músicas que me emocionam, quando está escuro demais, quando tudo é silêncio, mas toca mesmo quando estou só como agora.

Mesmo assim, não me sinto triste nem melancólico como possa parecer. Na verdade, penso que isso tudo mostra que vivi e fui feliz, além de fazer felizes outros. E talvez tenha deixado uma história na saudade de alguém.

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O novo normal

Li hoje que a pandemia está deixando a gente chato.

Chato mesmo com essas regras do novo normal.

Dizia no artigo que ninguém mais vai deixar de lavar as mãos, como se isso fosse coisa de outro mundo, né?

Ninguém mais vai deixar de lavar ovo um por um.

Eu acho um exagero, mas tem gente que lava as mãos e fecha a torneira e abre de novo, porque acha que se contaminou ao fechar a torneira com a mão.

Daí o cidadão fica tentando fechar a torneira com o pé.

Mas espera: então a mão é importante, mas o pé não?

É tanta loucura que eu fico pensando naquelas pessoas que têm toc quando saem de casa.

Tenho uma parente que volta umas três vezes para confirmar se desligou o gás, se apagou a luz, se trancou a porta e agora vai ter de lavar as mãos em cada uma delas.

O pior é que essa conhecida esquece as chaves na porta e essas ela não volta para confirmar se esqueceu.

Quer dizer: deixar o gás ligado, a luz acesa, a porta destrancada não pode, mas ajudar o ladrão pode?

Não dá para entender, né?

A situação está ficando tão grave que eu temo pelos relacionamentos no futuro, no período pós-pandemia.

Imagina só, depois disso tudo, abraçar vai ser cometer uma loucura. Beijar então será arriscar a vida.

Vai ser um negócio tão quadradinho que vamos parecer o Lineu Silva, de “A Grande Família”.

Aliás, uma coisa que a gente tem feito muito nessa pandemia é ver tevê para se distrair, já repararam?

Mas é um tal de se ver no programa que assusta demais.

Essa coisa mesmo de parecer o Lineu mete medo, não?

A vida está chata, mas virar um Lineu é demais.

Se bem que eu acho que o Lineu é o menos ruim daquela família. Ih, será que eu já virei o Lineu e nem percebi?

Meu Deus, não.

Melhor assistir “Sai de Baixo”.

Pelo menos a gente não vai se ver na televisão, né?

Se bem que nós não deixamos de ser pobres ainda. Vamos esquecer “Sai de Baixo”.

Que tal ver Homer Simpson?

Mas estou observando agora que ele é acima do peso, grosseiro, ignorante e adora comer rosquinhas.

Talvez valha a pena ver por ele ser bastante dedicado à sua família? Não, melhor não ver “Os Simpsons”.

Já sei: vou ver “Friends”.

Essa é uma série ótima que não tem nada que se parece com a gente, felizmente.

Se bem que Monica e Chandler são o casal que terminou feliz, casado e com filhos, se mudando para uma casa no interior. Não, isso já é ilusório demais hoje.

A saída é ver “The Walking Dead”.

É uma série de zumbis. São só tripas aos montes e sangue à vontade. Não tem problema.

Será?

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A carpa

Elisabete nunca quis ser igual a ninguém.
Talvez o fato de ter uma irmã gêmea tenha causado tanta aversão ao estilo manada. Era assim que ela definia a forma como as pessoas da empresa onde trabalhava se comportavam. 
 
Todos queriam ser iguais. 
 
Se havia uma queixa comum, todos embarcavam no protesto. Mas, se havia discordância, todos se calavam. 
 
A ousadia deu lugar a economia de energia. 
Era melhor perder uma parte do espaço a se expor. Foi assim que o horário de almoço foi reduzido, que o trabalho aos sábados foi implantado e que o desconto dos atrasos passou a ser rígido. 
 
Chefe do departamento de criação da empresa, Elisabete resolveu chamar a atenção dos colegas com uma carpa. 
 
Esse tipo de peixe se amolda ao ambiente em que está. Se colocar uma carpa em um aquário de meio metro, ela crescerá até esse tamanho. Mas, se o aquário for de 1 metro e meio, esse será o tamanho da carpa. 
 
Para demonstrar, Elisabete colocou um aquário pequeno na entrada da empresa com uma carpa filhote e inundou o ambiente com informações sobre comportamento e ambiente de trabalho. 
 
A carpa cresceu no tamanho do aquário. Então, Elisabete fez um evento para transferir a carpa a um aquário maior. Inundou novamente o ambiente com a informação de que aquela carpa ficaria do tamanho do aquário. Até apostas em um bolão foram feitas. 
 
Ao final, todos passaram a querer ser carpa. 
 
E foi assim que a empresa de Elisabete foi a vencedora em um prêmio de inovação e passou a olhar com outros olhos os diferentes. 
 
Nem tudo que parece ser igual, realmente é. 
 
Precisamos mostrar que temos vida própria no mercado de trabalho. Senão, somos engolidos. Afinal, mesmo parecidos, somos sempre diferentes. 
 
Sempre diferentes.

Vários olhares sobre a fundação da mesma Salto II

Dando continuidade nas transcrições de textos escritos por historiadores e cronistas sobre a fundação da cidade de Salto, compartilho o texto do historiador Ettore Liberalesso (1920-2012).

O texto que será lido está na segunda edição livro Salto: história, vida e tradição, nas páginas 26, 27, 28, 29 e 30. Liberalesso foi um dos fundadores da ASLe, primeiro a ocupar a Cadeira de nº 1 e hoje é Patrono da Cadeira.

Uma boa leitura

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Aproveitando-se de passagem do padre Manoel da Costa Cordeiro por Itu, na qualidade de visitador geral e representante do bispo do Rio de Janeiro, d. José de Barros Alarcão, o capitão Antônio Vieira Tavares dirigiu a este um ofício, requerendo licença e beneplácito para construir em seu sítio – o “Cachoeira” – uma igreja e um adro, sob a invocação de Nossa Senhora do Monte Serrat. As razões invocadas eram as mais justas: a grande distância – uma légua – da sede da vila e a travessia que tinha de fazer, de um largo rio – o Tietê – dificultavam a ele, à sua mulher e a seus agregados a assistência à missa aos domingos e dias santos. Acrescia a tudo isso, o fato de ele estar sofrendo, àquela época, de grave enfermidade.

A resposta não podia ser outra nem mais rápida: datada de 21 de outubro de 1695, o visitador geral assinava uma provisão concedendo a licença solicitada. Impunha, porém, ao impetrante, algumas condições: levantar no interior da capela um altar onde se pudesse dizer missa; a capela tinha de ser isolada da construção; tinha de ser mantida devidamente ornada pelo seu responsável; teria que ter uma cruz no meio adro; e, por último, tinha que submetê-la, antes de sua bênção, à aprovação do padre Felipe de Campos, vigário da Vila de Itu. […]

Digno de Nota é o fato de o capitão não pedir licença, simplesmente, para construir uma capela, mas para erigir em “seu sítio uma igreja com seu adro, com invocação de Nossa Senhora do Monte Serrat”. A determinação antecipada de um orago (padroeiro) para sua igreja ainda por construir, vem em reforço de nossa tese anterior, de que os habitantes da região já conheciam essa invocação à Virgem, que os espanhóis, notadamente os da Catalunha, levavam para onde iam.

[…] imediatamente depois de sua concessão, a gente de Antônio Vieira Tavares iniciou as obras, mas levou quase três anos para terminá-la, construída que era em grossas paredes de taipa, feitas por brações de escravos e gentios da terra, sob a administração direta de seu idealizador. Era tão bem feita e grande, que resistiu aos anos, e serviu ao povoado, à freguesia, à vila e à cidade de Salto, até 1928 – duzentos e trinta anos – quando foi demolida, não porque estivesse caindo (era muito bem conservada), mas porque se havia tornado incapaz de conter a população da cidade em contínuo crescimento.

[…] o Padre Felipe de Campos, comissionado pelo Padre Manoel da Costa Cordeiro, encontrou a igreja construída sob a invocação de Nossa Senhora do Monte Serrat do povoado de Salto de Itu naquele 31 de maio de 1698, quando veio fazer sua visita de inspeção e verificar se tudo estava de acordo com a provisão de outubro de 1695. E tanto estava, que marcou para sua bênção e inauguração, o dia 16 de junho de 1698. Ele mesmo voltaria ao “Cachoeira” na data estabelecida, e que seria considerada, para todo o sempre, a de fundação de Salto.

Nessa ocasião, na qualidade de Vigário de Itu, ele presidiu as solenidades e celebrou a primeira missa, assistida por numerosa comitiva vinda de Itu, por Antônio Vieira Tavares e sua mulher Maria Leite, por parentes e amigos do casal, escravos e índios remanescentes na região.

A força da esperança e da fé

Neste momento de pandemia, muitas pessoas recorrem à fé para tentar enfrentar a solidão do isolamento social. Não estão errados os indivíduos que agem assim. Afinal, esperança e fé são reações que todos nós carregamos e que ninguém tira facilmente. Em períodos turbulentos, elas são garantias de que tudo vai passar, quando parece que não.

Mas você já parou para pensar nas razões para que este sentimento tenha tanta força e consiga de fato mobilizar as pessoas, como tem acontecido por meio das mídias? Certamente que não. Afinal, esperança e fé estão consolidadas na nossa formação desde sempre. Só a história do Cristianismo já tem mais de 2000 anos.

Neste período difícil, a publicidade tem explorado o tema à exaustão por acreditar-se nesse apego à ideia de que existe uma luz no fim do túnel e que ela não é um trem que vem de encontro a nós, mas uma abertura por onde se terá acesso a um mundo novo, livre da tragédia que se abateu sobre o planeta na forma de um vírus terrível.

No livro “Sapiens: Uma breve história da humanidade”, o historiador Yuval Harari faz uma discussão perturbadora sobre o tema. O autor afirma que o homem domina o mundo por ser a única espécie capaz de inventar e de compartilhar histórias. Histórias essas que não existem na natureza e que são produtos apenas da sua imaginação.

Nesse rol de histórias criadas de forma ficcional estão deuses, nações, dinheiro e direitos humanos. O historiador argumenta que as histórias inventadas e compartilhadas unem os seres humanos em sociedades. Ele defende que a força de coesão de um grupo depende da força desse compartilhamento e da crença de cada um na mesma ideia.

Desta forma, o ser humano vai além das suas limitações biológicas. Um animal irracional age por instinto, ainda que este instinto o coloque em perigo por conta de alguma armadilha. Já o ser humano não. Ele raciona e se une a outros da sua espécie para criar soluções aos problemas. Essas saídas variam conforme a origem de cada grupo.

O livro traz conclusões interessantes nessa seara e dá uma sacudida na cabeça de quem se aventura por suas páginas. A principal delas é a confrontação com o número de Dunbar. O antropólogo e psicólogo revolucionário Robin Dunbar entende que cada indivíduo consegue manter relações sociais estáveis com apenas 100 a 230 pessoas.

Para Yuval Harari, isto não é verdade, porque é possível manter relações e interações sociais, independentemente da confiança, com diversos grupos maiores conforme a crença de cada um. Ele ilustra com as montadoras veículos. Milhares cooperam para montar seus carros, revendê-los em concessionárias e abastecer os seus motores.

Eles se juntam por conta de uma ideia que norteou a criação das montadoras. Não fosse a imaginação do fundador e a capacidade de compartilhamento dessa ideia, ela não existiria. Outro exemplo é um estádio de futebol lotado com torcidas que agem de forma coordenada e compartilham da mesma emoção, a paixão pelo futebol.

Ou seja, os seres humanos se juntam em diversos grupos heterogêneos por conta de uma ideia em comum. Essas ideias são compartilhadas entre as pessoas e viram história. Nós seguimos as histórias de diversas origens e com os mais variados fins, mesmo que o dono da ideia já tenha morrido, como ocorreu no caso da maioria das montadoras.

A religião e a crença estão nesse rol. Bilhões se unem pelo mesmo sentimento de que existe um Deus que olha por todos. Um Deus capaz de salvar quem a ele recorre, desde que se acredite nessa salvação. Então é preciso primeiro acreditar que existe um Deus e depois que ele ajudará quem precisa. Assim, tudo acontece revolucionariamente.

É a capacidade que só os seres humanos têm de inventar e de compartilhar histórias que torna possíveis a esperança e a fé de que tudo vai passar. Afinal, essa mesma esperança e essa mesma fé norteiam a descoberta de uma vacina para o coronavírus. Cedo ou tarde teremos o tratamento e depois a cura desse mal que tanto nos aflige: acreditemos.

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Vários olhares sobre a fundação da mesma Salto

Hoje, dia 16 de junho de 2020, a cidade de Salto completa 322 anos. Para comemorar, vou fazer a transcrição nos próximos dias de textos escritos por historiadores e cronistas de diferentes épocas sobre a fundação da cidade. Com isso, teremos vários olhares acerca do mesmo assunto.

Inicio com a transcrição de um texto presente no primeiro capítulo do livro História de Salto, escrito por Luiz Castellari (1901 – 1948). Os textos que estão no livro foram escritos com base em intensa pesquisa e, no ano de 1942, o autor reuniu seu trabalho em um volume único. O livro só foi publicado em 1971, muitos anos após o falecimento de Castellari.

Nota 1: o texto transcrito se encontra na página 11 do livro citado.

Nota 2: foi mantida a escrita como está no original.

Boa leitura a todos!

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   Fundação

A cidade de Salto, situada à margem direita do rio Tietê, com 23º 12’ 30” de latitude Sul, e 47º 17’ 20” de longitude W. De Greenwick, em fins do século XVII foi fundada pelo Capitão Antonio Vieira Tavares que adquiriu as terras por duas escrituras de cartas de datas de Sesmaria e confirmações.

Em 21 de outubro de 1695, foi concedido ao fundador a provisão para poder erigir a Igreja, sob a invocação de Nossa Senhora do Monte Serrat, e, em três anos mais ou menos, ficou concluída a sua construção. Suas paredes de “taipa”, foram solidamente feitas por braços de escravos e gentios da terra; enfrentou e resistiu por 233 anos as intempéries, tornando-se um marco histórico da fé e do progresso.

A 16 de junho de 1698, o Vigário de Itu, Padre Felippe de Campos, em comissão especial do Revmo. Dr. Manoel da Costa Cordeiro, benze-a e assinala seu adro necessário.

Em dezembro de 1700, Antonio Vieira Tavares fêz doação à Capela, do seu sítio denominado “Cachoeira”, suas terras, gentios, escravos etc. As divisas de seu sítio, que constituiram o patrimônio territorial da Capela, partiam da barra formada pelos rios Jundiaí e Tietê, da seguinte forma: partindo da referida barra, margeando pela direita do rio Jundiaí acima, numa extensão de meia légua de testada; novamente partindo da barra, margeando pela direita do rio Tietê numa extensão de uma légua de sertão; dêsse ponto, formando um ângulo reto à direita do referido rio, seguiam com 550 braços de testada e de sertão, continuando em linha reta “athé sahir aos campos tufo pertencente ao dito Sítio.”

De repente

 

Aconteceu assim de repente, como um susto. Não deu tempo de fazer absolutamente nada. Parecia um flash, que brilha o mundo e apaga toda a atenção logo depois. Como a última piscada de olhos antes de um desmaio. Em um momento é luz, no outro é escuridão. Como a última badalada do sino da igreja. Depois de uma sequência frenética, simplesmente para.

Sempre ouvi dizer que poderia ser assim. Que talvez fosse melhor assim. Tudo aquilo que não nos permite tempo para pensar não dói, não emociona, não marca. A memória não registra. Não vai nos acordar no meio da noite, quando a mente se esvaziar, como um fantasma que vem das profundezas, para dizer que está ali. Não, de repente é melhor. Acaba, se perde, desaparece.

Mas, se não chama a atenção como algo que a gente espera acontecer, o de repente nos prende o interesse depois. Acontecido, você se pergunta: por que assim, inesperadamente? Por que não permitir que estejamos preparados? Por que não reunir a todos antes de tudo? Por que não criar uma vã expectativa? Não pode acontecer assim. Nada que acontece a nossa revelia pode ser bom.

Independentemente dos protestos, aconteceu e foi de repente. Nada do que havia vai continuar. Teremos de nos acostumar. E vamos.Temos o péssimo hábito de nos acostumarmos a tudo. Vamos ao mesmo mercado, cozinhamos do mesmo jeito, falamos dos mesmos assuntos, temos as mesmas queixas. Quem disse que não somos fiéis? Mas não deveríamos nos acostumar.

Nesses tempos de pandemia por causa do coronavírus temos vivido isolados. Ninguém nos visita. Não visitamos ninguém. Pior: não saímos de casa para nada, a não ser para jogar o lixo. Ainda assim vamos de máscara. É como se fôssemos astronautas andando em Marte. Parece que o ar acabou. O vírus se propaga pelas gotículas de saliva no ar. Então temos um ar para cada um.

Eu que pensava que ia viver os meus últimos dias disputando água. Afinal, essa é a maior riqueza do planeta. E é um tesouro finito. Nada disso. Estamos mendigando um ar só nosso hoje. Eu que ouvia que o mundo estava perdido na lascívia de bocas que beijam sem conhecer. Hoje as bocas estão escondidas. Falavam que beber álcool em demasia era ruim e agora pode para enfrentar a solidão.

Definitivamente, não era o melhor momento para acontecer. Ainda mais dessa forma: de repente. Um susto particular é um susto muito maior. Ao observar o corpo da minha janela, fico preocupado. Não, não é com a contaminação. É que eu terei de remover e dar fim. Senão daqui a pouco começa a feder. Assim como se deu de repente, fui até lá de repente e recolhi a pomba morta.

O menino torto

MORREU HOJE (29/05/2020) o jornalista Gilberto Dimenstein. Suas obras, em especial o “Cidadão de Papel” – ganhador do Prêmio Jabuti, em 1993 – e “Meninas da Noite”, cuja reportagem salvou inúmeras crianças da prostituição no Brasil, embasaram o meu trabalho como professora de História. A ele, que conheci em palestras para professores, dediquei a crônica “O menino torto”, em 2017. Shalom Aleichem, Dimenstein. Grata por ter iluminado tantas mentes com o seu trabalho.

O MENINO “TORTO”

O HOMEM FAMOSO FALAVA como menino, dos seus feitos de infância. Não sobre o destaque em alguma disciplina escolar. Contava sobre fracassos, e sobre o futuro profetizado por algum professor: – Ele vai dar em nada…

Era o típico aluno que desliga da aula e viaja, sabe-se lá para onde. As notas? Sempre abaixo da média. A família judia e tradicional pressionava por um melhor desempenho, que não veio. Escolheu o Jornalismo porque – segundo ele – era a faculdade que menos candidatos tinha por vaga. Simples assim.

Sentada na plateia entre centenas de professores, me lembrei das dezenas de projetos sociais e educacionais desenvolvidos por ele e dos vários títulos publicados, que garantiram, muitas vezes, o sucesso das minhas aulas: “Meninas da Noite”, “Cidadão de Papel”, “Aprendiz do Futuro”…

Comparei o profissional de currículo premiado que eu via com os relatos, e pensei assombrada: – Como é que o menino “torto” deu tão certo?
Nem ele sabia direito. Disse que, em algum momento do percurso, algo lhe despertou o interesse e ele foi atrás para saber; e nunca mais parou.

Gilberto Dimenstein – o homem famoso – ganhou os principais prêmios destinados a jornalistas e escritores no País: Prêmio Nacional de Direitos Humanos, Prêmio Criança e Paz do Unicef e muitos outros.

Com “Cidadão de Papel”, obteve uma premiação inédita para um livro educativo, considerado, em 1994, pelo júri do Prêmio Jabuti, a melhor obra de não-ficção. Foi durante 28 anos colunista e membro do Conselho Editorial da Folha de S. Paulo.

É palestrante e suas palestras versam sobre educação, novas habilidades do profissional do futuro, tecnologias aplicadas à educação e responsabilidade social. É idealizador do importante site Catraca Livre.

Tudo indica que o menino Dimenstein não era “torto”. Talvez torta fosse a ótica dos professores daquele tempo e – pior ainda – de muitos de hoje, que insistem em rotular e descartar os “tortos”.

Despertar o interesse do aluno diferenciado – aquele “fora dos padrões desejados” – que desliga, fala demais, se rebela ou é “desajustado”, é entregar-lhe a chave que poderá abrir as portas da sua realização pessoal.

Quem disse que é fácil?

O Magistério não é um sacerdócio, ou a curva do rio onde aportam os rejeitos. É uma profissão que, como todas as outras, requer competência para se chegar ao sucesso.

AUTOR: KAuvray
TÍTULO “O menino torto”
ANO – 2017

Tiradentes – Benedita de Rezende

O texto foi publicado na edição de 01º de maio no Jornal Primeira Feira, na coluna Um Dedinho de Prosa.

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Há algum tempo, publiquei aqui no dedinho de prosa alguns poemas escritos pela Professora Benedita de Rezende (1889 – 1964) que durante anos atuou como educadora na cidade de Salto. A professora é patronesse de uma escola saltense bem como da Cadeira número 15, ocupada pela querida Damien Pacheco, na Academia Saltense de Letras.

Benedita de Rezende escrevia seus poemas para serem utilizados em sala de aula como ferramenta de alfabetização dos alunos, escrevia poemas de cunho patriótico e, como musicista, compunha melodias para os poemas. Benedita nasceu aos 09 de maio de 1889, na cidade de Taubaté. Em homenagem à Professora, segue a transcrição do poema Tiradentes, escrito em 13 de outubro de 1962 e originalmente transcrito pela professora Damien.

Boa leitura e bom fim de semana a todos.

Tu que sonhaste a Pátria libertada
Da escravidão do velho Portugal,
Tristonho a viste em luto mergulhada,
Em delação terrível e fatal!
Tu que sonhaste a Pátria engrandecida,
Iluminada aos louros da vitória,
Viste rolar por terra, enlanguescida,
Morta a esperança dessa imensa glória!
Quem haverá que possa te olvidar,
Subindo a escada infame do suplício,
E corajoso a vida sepultar,
Em doloroso horrível sacrifício?!
Assim firmaste, espírito altaneiro,
Tua indelével, nítida, memória,
No coração do povo brasileiro,
Nas comoventes páginas da História!
Embevecido presta-lhe homenagem!
O brasileiro, cumpre o teu civismo!
No altar da Pátria fita a sua imagem,
Simbolizando a estátua do heroísmo!