Texto publicado na edição de 30/10/2020 do Jornal Primeira Feira.
Coluna “um dedinho de prosa”.
Acadêmico: Marco Ribeiro
Patrono: Ettore Liberalesso
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O historiador tem nas fontes históricas grandes amigas que ajudam a construir uma narrativa, levam até novas descobertas ou desmistificam algo que já estava consagrado há algum tempo. Um objeto pode nos dizer muito (em alguns casos até mais do que devia) sobre a memória, acontecimentos e de pessoas que atuaram nas cidades e em seus desdobramentos de ordem cultural, econômico, político, dentre outros.
No próximo dia 2 de novembro, será lembrada a data de falecimento daquele que recebeu a alcunha de “Pai dos Saltenses”: o Dr. Francisco Fernando de Barros Jr, ou apenas conhecido como Dr. Barros Jr. O Patrono da Cadeira de número 36, ocupada pela minha amiga Dra. Anicleide Zequini, nasceu na cidade de Capivari aos 17 de março de 1856. Seu pai era um grande produtor de açúcar em sua terra natal. Estudou no conceituado Colégio São Luiz, que na época estava localizado em Itu, onde hoje são as dependências do Quartel. Após uma passagem por Petrópolis-RJ, vai aos EUA continuar seus estudos, ali permanecendo entre os anos de 1877 e 1879.
Quando retorna ao Brasil em 1880, funda a segunda Fábrica de Tecidos na então Freguesia do Salto de Itu. Dentre tantos feitos na cidade, aos 07 de outubro de 1888, pouco mais de um ano antes da Proclamação da República, funda junto ao Professor Tancredo do Amaral (ambos de ideais republicanos) o jornal “Correio de Salto”, sendo o objetivo justamente propagar as ideias e promessas de um novo modelo político para o Brasil, a periodicidade do jornal era bi semanário. O historiador Ettore Liberalesso afirma que, “com o advento desta (Proclamação da República), em 15 de novembro de 1889, o ‘Correio de Salto’ encerrou suas atividades ensarilhando as armas uma vez vencida a causa pela qual surgira”.
Por volta de 1891, o jornal voltaria para defender outra causa, o progresso da cidade, porém, escreve Liberalesso no livro Salto, história, vida e tradição que “sua publicação foi descontínua e, além disso, há poucos exemplares remanescentes dessa época, que possam atestar a periodicidade do jornal”. O “Correio de Salto” sumiu de vez por volta de 1913.
Dr. Barros Jr foi o primeiro prefeito de Salto. Segundo a historiadora Dra. Anicleide Zequini, em um texto escrito sobre seu Patrono para compor a exposição da ASLe Patronos e Patronesses Saltenses, após 1896, Barros Jr. não era mais proprietário da Fábrica de Tecidos e se tornou Coletor de Rendas Federais, cargo que exerceu até o seu falecimento no ano de 1918.
Um bom fim de semana a todos!
Texto publicado na edição de 16/10/2020 do jornal Primeira Feira.
Coluna “um dedinho de prosa.”
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O texto que se segue foi escrito pela minha companheira, Paula Pelegrini, juntos estamos construindo nossas crônicas de viagens. Boa leitura!
Parece clichê começar o relato sobre um dia de sol para uma exploração de um novo lugar, mas foi em um belo dia ensolarado que partimos, Marco e eu, de Lisboa com destino a Sintra, pegamos o comboio, mesmo que tenham nos dito em alto e bom tom “aqui em Portugal não se pega nada, entramos…”, PEGAMOS com um bom português brasileiro o dito trem que partia em direção a uma cidade muito linda e repleta de cantinhos extraordinários. Detalhe, o trem partiu exatamente às dez e um da manhã. Sim! Horários são muito bem cumpridos por ali. Enfim a tão esperada visita a cidadezinha estava prestes a ocorrer, chegando, um balde de água fria sobre nós, ao contrário de Lisboa, ali estava a cair uma fina chuva em um dia bem nublado e frio, bem frio para quem estava com roupa apropriada para um calor escaldante como aquele do dia anterior. Sintra faz bem jus ao título dado como patrimônio mundial pela Unesco, com suas casinhas, ruazinhas estreitas, castelos, palácios, quintas, museus, parques…
Pastelarias, em português cá: confeitarias, que vendem os deliciosos doces típicos do lugar. Logo no centro histórico nos indicaram um cantinho para comprarmos e nos deliciarmos. Em Portugal cada canto tem um docinho em particular, os pastéis de Belém, os ovos moles de Aveiro, o fradinho de Mafra, e dentre tantos outros de tantos lugares, em Sintra há os travesseiros.
A Piriquita, sim, o lugar chama Piriquita, fica em um cantinho muito movimentado e concorrido pelos turistas, já que fabricam além de queijadas os mais tradicionais travesseiros desde 1862. Foi nessa pastelaria que experimentamos o doce de massa folhada e com um delicioso creme quentinho de amêndoas, acompanhado de um cafezinho “mara”. Pedimos alguns para viagem e, como boa formiga que sou, pedi um de cada da vitrine para levarmos para viagem, confesso que comemos conforme fomos andando de imediato.
Ao procurarmos os pontos turísticos avistamos ao longe na Serra de Sintra uma linda jóia, o colorido Palácio Nacional da Pena, romântico, imponente, parecendo ter saído de um conto de fadas, o que já em nós despertou curiosidade e encanto. Se de longe era lindo, de perto parecia um sonho, com seus lindos detalhes de arquitetura manuelina, que marcam as conquistas portuguesas, com tantos imaginários e navegações. Mas, mil anos antes do Palácio ser construído, nos fins do século IX os árabes erguiam também no alto da Serra, o Castelo dos Mouros, época da ocupação muçulmana da Península Ibérica, com suas enormes muralhas que percorrem os penedos e os penhascos. Após ali conhecermos, vimos enfim os belos jardins, capelas, fontes e lindas inspirações arquitetônicas renascentistas e neo-manuelinas, decorações românticas e góticas da Quinta da Regaleira, local que pertenceu a um alquimista que fez dinheiro em nossas terras e por lá erguera uma maravilhosa obra de arte, repleta de símbolos, referências maçônicas e lugares com divinos detalhes, um desses é o lindo Poço Iniciático, ou como também é conhecido Torre invertida, uma vez que se projeta 27 metros para dentro da terra, ou seja, uma torre que desce com suas pedras e um quê de mistério. Chegando ao final dos nove andares temos uma linda visão, além de observar a torre lá debaixo, o que é um deleite, nos deparamos com uma passagem subterrânea, uma gruta que nos leva a um pequeno e surpreendente lago no meio de um jardim.
Sintra vale a pena? Vale a pena, se tua alma não for pequena, vale a pena por nos proporcionar uma maravilhosa memória e uma querida crônica de viagem. Abraços, em especial aqueles que como nós lecionam, e um bom final de semana!
Texto publicado na edição de 03 de outubro de 2020 do Jornal Primeira Feira.
Coluna “um dedinho de prosa”
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Quando vou conhecer um lugar novo, gosto de fazer o chamado turismo cultural que é aquele com manifestações da cultura popular, da observação do patrimônio (material ou imaterial), visita aos museus ou sítios arqueológicos. Ali temos a oportunidade de aprender na prática determinadas situações históricas e, a quantidade de descobertas que podemos fazer, é enorme e enriquecedora.
Na nossa visita para a cidade de Madrid, pudemos contemplar os museus de artes que são espetaculares, pudemos ver obras que até então apenas havíamos visto em livros ou sites da internet. Das grandes experiências que tivemos e que nos emocionou bastante, foi olhar a beleza do quadro Guernica, de Pablo Picasso, as lágrimas escorreram e, por alguns minutos, ficamos paralisados ao observar aquilo tudo. O quadro Guernica se encontra exposto no Museu Reina Sofia.
Das descobertas, pudemos conhecer as obras do artista espanhol José de Ribera (1591-1652), tais obras mexeram bastante comigo e, desde então, vez ou outra entro no site do Museu do Prado para ver as obras do artista. Uma das primeiras que vi foi a tela intitulada San Jerónimo, santo que foi lembrado no último dia 30 de setembro, sendo a data de sua morte, no ano de 420, aos oitenta anos de idade.
Jerônimo nasceu onde hoje é a Croácia e ficou marcado como o tradutor das Sagradas Escrituras. Era filósofo, historiador, teólogo, escritor, doutor da Igreja, dentre outras atividades. Nasceu em uma família rica e, após a morte do pai, foi morar em Roma, onde aprendeu o Latim e estudou obras de autores gregos e, principalmente, leituras relacionadas com a vida espiritual. Após ser batizado com vinte e cinco anos de idade, pelas mãos do Papa Libério, foi se dedicar à vida monástica na Gália (hoje o país da França).
No século IV, foi chamado pelo Papa Damaso para ser seu secretário particular e ficou encarregado pela tradução da Bíblia do grego e do hebraico para a língua popular, o latim. Seu conjunto de traduções ficou conhecido como Vulgata (popular). Sua famosa frase “ignorar as Escrituras é ignorar a Cristo”, expressa bem seu pensamento e preocupação com os estudos teológicos.
Descobertas como essas das obras de Ribera fazem bem para nosso crescimento pessoal e profissional, nossa experiência com São Jerônimo, pintado pelo artista espanhol, rendeu esta crônica de viagem.
Bom fim de semana a todos!
Todos nós
somos intérpretes
da história
de nossas vidas.
A cada momento
somos um.
E somos múltiplos
a vida toda.
O que fica é o riso,
a palma
e o olhar boquiaberto
que provocamos.
João Cabral de Melo Neto, um dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos e talvez o que esteve mais próximo de ganhar o Prêmio Nobel de Literatura entre os escritores nacionais, meu patrono nesta Academia, morreu há exatos 21 anos no Rio de Janeiro como sempre viveu: lutando.
Nascido em uma família de intelectuais de Pernambuco, demorou para que conseguisse se tornar ilustre até mesmo em casa. Seu irmão Evaldo Cabral de Melo Neto era um historiador de sucesso e o poeta tinha como primos também Manuel Bandeira e Gilberto Freyre.
Ainda adolescente quis ser jogador de futebol profissional. Chegou a ser meio-campista do time juvenil do Santa Cruz, que foi campeão pernambucano de 1935. Mas depois não avançou e se tornou apenas torcedor do modesto América do Recife, que só perdia.
Driblando problemas
João Cabral sofria de enxaqueca crônica desde criança. O problema o acompanhou por toda a sua vida. Para sanar as dores, ele tinha de tomar de três a dez Aspirinas por dia. A relação com o remédio o levou a homenageá-lo com a poesia “Num Monumento à Aspirina”.
Em uma entrevista, certa vez, disse que boa parte da sua inspiração provinha da amiga Aspirina e, para ele, o medicamento o salvava da nulidade. A associação com o remédio era uma alusão ao fato de sua poesia ser considerada cerebral e avessa ao sentimentalismo.
As dores de cabeça constantes o afastaram das badalações sociais. Mesmo antes de adoecer mais gravemente no final da vida e sendo diplomata, ele ia pouco a festas. Vivia em casa apenas com a mulher e a filha. Passava horas lendo e escrevendo solitariamente.
Odiava música, apesar de muitos de seus poemas terem musicalidade para se tornarem canções. Dizia que lhe doía os ouvidos. Curiosamente, Vinícius de Moraes, Caetano Veloso e Chico Buarque, cuja ligação com a música é grande, sempre foram fãs e amigos.
Isolamento social
O poeta chegou a ser escolhido para a Academia Pernambucana de Letras, mas nunca apareceu por lá, nem no dia da posse. Na Academia Brasileira de Letras, ele entrava mudo e saía calado. Seu amigo Lêdo Ivo dizia que ele nem conversava com os outros acadêmicos.
Certa vez, Clarice Lispector queria colocar “A veia no pulso” como título do seu livro. Perguntou a Fernando Sabino e ele odiou. Ela perguntou então a João Cabral e ele disse, disposto a cortar a conversa logo: está ótimo. Mas ela escolheu: “A maçã no escuro”.
Rejeitado pelos poetas da sua época por construir uma poesia diferente, com rigor formal e baseada em uma busca de arquitetura concreta e precisa para o fazer poético, evitando o sentimentalismo, João Cabral só foi aclamado em 1966 com “Morte e Vida Severina”.
O auto de Natal, feito às pressas para ser encenado no final do mesmo ano da encomenda, é a sua obra mais conhecida. João Cabral é ainda pouco lido no Brasil, embora seus 20 livros tenham sido traduzidos para vários países. Ler a sua obra exige dedicação e tempo.
Como bem disse 15 anos depois da morte do poeta, o principal especialista de João Cabral, em sua obra “Uma fala só lâmina”, Antônio Carlos Secchin, os 20 livros que ele escreveu inauguraram uma nova forma de fazer poesia no Brasil, que nunca mais será esquecida.
Vale a pena ler João Cabral, porque ele é dono de uma capacidade singular de descrever o mundo e as pessoas em redor, especialmente nas obras: “Morte e vida severina”, “Pedra do sono”, “A educação pela pedra”, “O rio” e “Quaderna”, que representam o conjunto.
As dores do fim
Apesar de ter sido reconhecido com importantes prêmios, como o Camões (1990), o Neustadt International Prize for Literature (1992) e Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana (1994) e ter sido sondado para o Nobel (1992/1999), João Cabral sofria para escrever.
As dificuldades do final advinham da trajetória marcada por transtornos físicos e psicológicos. Além da enxaqueca, teve polineurite, seguida de crises hepáticas, seguidas de alergia. Se sentia improdutivo e anotava ideias em pequenos papéis para depois tentava desenvolver.
O poeta se trancava no escritório para trabalhar as anotações e tinha um trabalho exaustivo de lapidação. Um poema poderia levar anos para atingir a forma final. Para ele, os primeiros livros saíam mais facilmente, mas os últimos foram tirados, como ele dizia, a fórceps.
O golpe maior na sua saúde foi a morte da primeira mulher Stella. Vítima de câncer, ela faleceu em 1986. Por 40 anos, era ela quem cuidava de tudo. Datilografava os poemas, ajudava na organização e colocava o terno e sapatos do lado de fora do banheiro para ele.
A morte dela tirou os rumos da vida de João Cabral. Ele passou meses deprimido no Rio de Janeiro até conhecer a poeta Marly de Oliveira, que era bonita, inteligente e refinada, além de 15 anos mais jovem. Após o luto, voltou a Portugal como diplomata e ligava de lá para ela.
Ligava diariamente e muitas vezes embriagado pedindo que ela o acompanhasse. Os muitos remédios tomados por causa dos problemas de saúde deixaram sua fala comprometida. Mas, admiradora do poeta, Marly aceitou e se casaram em 1986 mesmo.
Para a família dela, Marly anulou a sua carreira para se tornar uma enfermeira dele e terminou com a mesma depressão. Mas a família do poeta diz que ele ficou entregue às traças, porque ela passava o dia inteiro fechada no quarto, lendo literatura clássica.
Sem ver o mundo
Apelidado de homem sem alma na biografia escrita pelo crítico José Castello, João Cabral perdeu literalmente a alma de poeta e a sensibilidade para a vida nove anos antes do dia 9 de outubro de 1999, quando morreu, ao ficar cego e ter sido obrigado a se aposentar.
Além do trabalho que teve de deixar, a perda da visão, ocorrida por causa de uma doença degenerativa incurável, tirou do poeta as suas duas maiores paixões: ler e escrever. Seu último livro publicado saiu em 1990 sob o título “Sevilha Andando”, mas foi muito criticado.
Ele achava que a doença era um castigo muito violento que Deus lhe dera. Depois da cegueira, vivia enclausurado e com as janelas fechadas no seu apartamento, no Rio de Janeiro, que tinha vista para a Baía da Guanabara. A tevê lhe dava dor de cabeça. Então ele só ouvia rádio.
Como começara a fumar aos 69 anos, em 1989, e fumava até os dedos ficarem amarelados, desenvolveu uma úlcera. Para se livrar dela, já cego fez uma operação e foi proibido de beber. Por conta da depressão, fugia do apartamento para ir ao bar da esquina.
Lá, tomava vodca ou cachaça de má qualidade, o que o levou a cair em casa várias vezes e a se cortar, além de agravar o seu quadro de saúde, pois tomava mais de dez medicamentos controlados. Recebia poucas visitas e vivia apenas com a mulher.
Apesar de ateu, João Cabral dizia ter medo da morte. Ele ficara impressionado com a imagem do inferno que padres de um colégio onde estudou quando criança lhe mostraram. Outro temor era que, após a sua morte, sua obra fosse esquecida e ele também, por consequência.
Em uma das últimas visitas que recebeu, um ano antes de morrer, o poeta se encontrou com o músico, compositor e poeta Richard Serraria, na época aluno da Faculdade de Letras na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que fazia um trabalho sobre a sua obra.
Três anos depois dessa visita, Richard Serraria contou, em um bate-papo intitulado “Pedra do Sono e outras pedras fundamentais da poesia brasileira, da Palavraria, célebre livraria de Porto Alegre, uma curiosidade sobre a visita a João Cabral de Melo Neto: o último livro que ele leu.
Ou melhor, o último livro que leram para o poeta, já que ele estava cego. Quem lia eram a sua mulher e sua filha. A escolha foi por uma obra de Shakespeare. Ao ser perguntado das razões para essa escolha, João Cabral foi taxativo: não tenho mais tempo para apostas.
O poeta morreu por volta das 11h30 do dia 9 de outubro de 1999. Ele estava em seu apartamento no Flamengo, zona sul do Rio, e tinha 79 anos. Morreu de mãos dadas com sua mulher, Marly de Oliveira, e rezando, apesar de ter sido ateu durante toda a sua vida.
Benedita de Rezende escrevia seus versos e, muitos, eram para serem musicalizados, tendo partituras.
Segue a transcrição de um de seus poemas, escrito em 03 de dezembro de 1962.
Boa leitura!
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Guarujá é do Brasil
Praia mui maravilhosa.
O turista passa lá,
Temporada bem gostosa.
Também quero passear,
Lá na bela Guanabara,
Apreciar o Pão de Açúcar,
Uma coisa muito rara.
Pra comer um vatapá,
Eu embarco pra Bahia.
Que comida deliciosa!
Ó que boa iguaria!
Lá na selva do Amazonas,
Gosta o índio de caçar.
E nas tardes bem serenas,
Também gosta de pescar.
E depois põe-se a cantar
Uma canção regional.
A toada é meio triste, tem um que de funeral:
Cantando:
Vem sobre o monte,
De luz rodeada,
A mãe de ouro,
De madrugada.
A Iara canta
No fundo d’água
A gente escuta
E sente mágoa
Iu… iu… iu… iu…
Pra me lembrar
Bem de Nanê,
Toco tristonho
Membi-chuê.
Tupã expulsa
O Anhangá,
Ele se esconde
Com Marabá.
Iu… iu… iu… iu…
Texto publicado em março de 2018 no Jornal Primeira Feira.
Publico aqui em homenagem à Benedita de Rezende, Patronesse da Cadeira de nº 15, ocupada pela Confreira Profª Damien Pacheco.
Boa leitura!
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No último dia 08 de março foi comemorado do Dia Internacional da Mulher. Na história da cidade de Salto muitas são as mulheres que contribuíram e continuam contribuindo de forma expressiva para o desenvolvimento da cidade. Mulheres que eram e ainda são operárias, mães, donas de casa, poetisas, musicistas, professoras, artistas, advogadas, entre outras atividades que realizam com maestria.
A história das mulheres saltenses vem me chamando a atenção cada vez mais. Em uma das conversas após uma reunião da Academia Saltense de Letras com a professora Maria Damien Ignácio Pacheco, a querida confreira me mostrou algumas informações que coletou ao longo dos anos de trabalho e pesquisa sobre sua patronesse na ASLe, a professora Benedita de Rezende. Um material rico, fantástico, daqueles que brilham os olhos de um entusiasmado pesquisador. São textos e poesias escritos pelas duas, ora se vê escritos da própria Benedita, ora se vê escritos da professora Damien que, com uma bela caligrafia biografou sua patronesse.
Benedita de Rezende nasceu em Taubaté, em 09 de maio de 1889. Em 1930 e nos dez anos seguintes, lecionou no Grupo Escolar Tancredo do Amaral. Além do português, falava e escrevia corretamente em língua inglesa e francesa, idiomas que escreveu alguns de seus poemas. Era uma exímia pianista. Professora Damien um dia me contou que, em um encontro na casa em que Benedita de Rezende morava, enquanto todos descansavam de um ensaio de teatro (arte que ela admirava muito), a pianista começou a tocar a introdução da ópera O Guarani, sem olhar partitura, tinha tudo na memória.
Professora Damien é sempre muito carinhosa ao falar da professora Benedita, logo no início da biografia, descreve-a de forma carinhosa:
“A beleza interior emanava de sua pessoa, radiosa como a aurora a espargir a luz. Com sua alegria e seu piano, transmitia a todos um enorme amor pela vida. Sempre um sorriso espontâneo e um entusiasmo contagioso, simplicidade e desprendimento, era extremamente sensível, valorosa, forte, dando-nos lições de fé e patriotismos. Dona de uma vasta cultura, tinha uma conversa muito atraente.”
Sem dúvida, a professora Benedita de Rezende é uma mulher que merece destaque e sempre ser lembrada pelo povo saltense. É uma alegria saber que professora Damien se dedica há anos pesquisando e divulgando com carinho e entusiasmo a memória de Benedita de Rezende.
Duas gerações, duas professoras exemplares, duas mulheres virtuosas. Professora Damien, tenho o prazer de conversar e ouvir suas histórias pessoalmente. Dona Benedita, tenho o prazer de conhecer através do resgate de memórias.
Fica aqui minha homenagem à duas mulheres de destaque para a cultura e educação saltense.
Texto publicado na edição de 26 de setembro de 2020, no Jornal Primeira Feira.
Coluna: um dedinho de prosa
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Uma viagem que me marcou muito foi entre dezembro de 2017 e janeiro de 2018, quando partimos para Itajaí – SC, mais uma vez de moto. Na verdade, toda virada de ano, Paula, eu e alguns amigos acampávamos na praia da Ilha Comprida e depois, como é nosso período de férias escolares, continuávamos a viagem para Sul. No meio do caminho, a gente parava em Curitiba, uma cidade que muito me encanta, vários fatores chamam a atenção ali, dois deles são a organização e limpeza. Lembro-me da primeira vez que fui conhecer o Museu Paranaense e o Museu do Olho, lugares incríveis.
O caminho para Santa Catarina é lindo, a cada curva nos aparecia um morro enorme, bem verde, é a natureza esbanjando sua beleza. Estava muito quente, paramos em uma pequena lanchonete rodeada pelos morros e, na frente daquela lanchonete, uma Igreja. Passou pela minha cabeça: quem poderia frequentar os cultos ali naquele templo? Não identificamos sequer um vilarejo próximo dali. No terreno da lanchonete havia uma bica d’água, praticamente tomei um banho, porém vestido com a calça que rapidamente secou ao continuar a viagem.
Já em Itajaí, no litoral catarinense, fomos procurar um lugar para nos hospedar. Encontramos um hotel, após realizarmos o check-in, descobrimos que aquele imóvel havia sido o primeiro prédio da cidade e era tombado como patrimônio municipal. Estava hospedado no lugar certo. A noite estava muito quente, fomos até o Mercadão tomar algumas bebidas, estava tendo show ao vivo e o músico cantava À Palo Seco, de Belchior:
“Tenho vinte e cinco anos
De sonho e de sangue
E de América do Sul
Por força deste destino
Um tango argentino
Me vai bem melhor que um blues”
Eram vésperas para eu completar vinte e cinco anos, aquela música, a minha companheira ao meu lado, o calor de Itajaí, a viagem de moto, tudo isso foram experiências incríveis. Rimos muito, aproveitamos muito as belas praias que nos encantaram, vivemos o local, hoje tudo isso nos proporcionam crônicas de viagens.
Texto escrito pela acadêmica Mércia Falcini.
Cadeira número 3
Patrono: Paulo Freire
Não poderia passar o mês, sem escrever sobre o meu patrono, na Academia Saltense de Letras. No dia 19 de setembro, Paulo Freire completaria 99 anos neste difícil ano. O ano de 2020 marca um significado histórico e será lembrado como o ano em que a pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2, impôs o isolamento social no mundo todo. Por muitas vezes, enfrentando os desafios das escolas fechadas, lembrei do conceito freiriano sobre o INÉDITO VIÁVEL.
O conceito do inédito viável foi abordado por Paulo Freire nos livros Pedagogia do Oprimido e Pedagogia da Esperança, com espaço de vinte anos entre as duas publicações. Uma na década de 1960, no exílio, e a outra já de retorno ao Brasil, na década de 1980. E aqui cabe registrar sua grande importância, quando em Brasília, no Ministério da Educação, defendeu o ensino público, laico, gratuito e de qualidade.
Mas, voltando ao conceito do inédito viável, podemos compreendê-lo pensando em como todos nós enfrentamos, na vida pessoal e social, obstáculos e barreiras que precisam ser vencidos. Algumas pessoas encaram esses obstáculos como algo que não podem transpor ou como algo que não querem transpor; já outras, enxergam como algo que precisa ser rompido e, então, se empenham na sua superação, tornando o inédito viável. Nas palavras de Freire, “A pedagogia do inédito-viável mobiliza o sujeito para refletir sobre a visão da história como possibilidade, e não como algo fatalista, já determinado e insuperável. Desta forma, a realidade é concebida como algo que está sendo e pode ser transformado”.
Por isso também, tenho pensado muito sobre o que eu aprendi com Paulo Freire. Já no magistério – curso para formar professor, equivalente ao ensino médio, que não existe mais – fiz minhas primeiras leituras sobre esse Paulo, até então desconhecido para o meu universo normalista.
Aos poucos, Freire foi se tornando referência dos meus estudos e esteve comigo em todas as fases desta longa caminhada, onde se misturam prática, teoria, suor, medo, desejos, anseios e esperança. Aliás, foi Paulo quem me ensinou a esperançar. Termo que criou quando explicava aos oprimidos o significado de acreditar na mudança, na luta e no sentimento que rompe a zona de conforto e nos impulsiona a agir. Ele dizia: “É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo”.
Assim, inspirada no inédito viável quero esperançar um mundo pós-pandemia, repleto dos 5 ensinamentos de Paulo Freire, selecionados e comentados por mim, para que possamos fazer a lição de casa:
Paulo Freire nos deixou em 02 de maio de 1997, com 75 anos de vida, sem nunca imaginar o inédito ano de 2020. No entanto, sua obra, referenciada pelos mais importantes centros acadêmicos de estudos e pesquisas do mundo, nos incentiva ao viável. Certamente, nos diria: faça o seu melhor hoje, enquanto se prepara para fazer melhor ainda, amanhã.
A Pandemia vai passar; Paulo Freire é para sempre.
Texto publicado no Jornal Primeira Feira em 19 de setembro de 2020
Coluna Um Dedinho de Prosa.
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No mês que passeamos pelos países da Península Ibérica, conversamos com pessoas por vários motivos, um deles era entender um pouco melhor como era a vida na Europa. Muitas vezes, aqui do outro lado do Oceano Atlântico, nós romanceamos um pouco a vida em outro país, passando a sensação de que lá fora tudo é mais bonito ou funciona melhor. Fizemos algumas amizades, que mantemos contato pelas redes sociais até hoje.
Também é comum escutar alguns receios que alguns europeus apresentam em relação ao Brasil, muitas notícias que chegam lá são nada positivas e isso acaba ficando na mentalidade das pessoas e contribui para a construção de muitos estereótipos acerca da nossa terra e nossa gente. Durante essas prosas, encontramos alguns brasileiros que trabalhavam em bares, restaurantes ou outros comércios. Não foram poucos os que relataram uma saudade do Brasil e, ao perceberem que os clientes eram brasileiros, vinham imediatamente nos atender. Foi o que aconteceu em Barcelona, mais especificamente na floricultura do Navarro.
Um dia depois de nossa visita à floricultura, viveríamos um dos dias mais felizes em nossa vida, o floricultor brasileiro que nos atendeu em terras catalãs, teve uma participação especial nisso tudo, foi quem fez o buquê da noiva mais bonita de Barcelona que se casaria no dia seguinte. Ali, na cidade em que tudo acontece, foi palco de nossos votos de amor eterno, até que a morte nos separe.
Ele ficou tão feliz que não cobrou a mão de obra, apenas o valor das flores, foi uma honra enorme afinal, segundo o floricultor, Navarro é uma das floriculturas mais conceituados da Europa e, desde que abriu, nunca fechou as portas, funcionando 24 horas. Pois bem, chegou o grande dia, e lá estávamos nós, Paula, eu e o fotógrafo, também brasileiro. Fez nossas fotos em lugares incríveis e, conforme andávamos, ia nos falando um pouco sobre Barcelona. Quando disse a ele que gostaria de entender um pouco mais sobre a questão tão complexa que envolve a região da Catalunha e o governo de Madrid, ele abaixou o tom da voz e me orientou a não tocar no assunto com um catalão, afinal muitos ficavam com os ânimos exaltados de acordo com suas motivações políticas.
De fato, em Barcelona, não vimos bandeira da Espanha, as casas e os prédios expunham a bandeira catalã e, em várias ruas da cidade, cartazes com os dizeres: “liberdade aos presos políticos”. Enfim, era dia do nosso casamento, deixei as discussões e curiosidades políticas para o restante da semana que passamos ali.
Ao passarmos em frente de um barzinho, todos que estavam no local nos saudaram felizes, desejando boas energias e erguendo seus copos de cerveja como que num grande brinde aos noivos. Foi muito emocionante e divertido. Em outro momento, um casal nos parou e, os dois com enormes sorrisos nos deram os parabéns, anunciando que ficaram noivos ali, naquela semana.
Pois é, meu amigo, caro leitor e leitora, nossa viagem a Barcelona foi mais que especial, a cidade foi testemunha do nosso amor. Um brinde ao amor eterno!
Catalunha, nosso casamento, pessoas que passam por nossas vidas de modo bem rápido, mas que ficam na memória, são ingredientes perfeitos para crônicas de viagem.
Bom fim de semana a todos!