Para lembrar os 323 anos da benção recebida pela capela de Nossa Senhora do Monte Serrat, momento tido como a fundação de Salto, publico este artigo com as possibilidades de fontes históricas para a construção da narrativa da história da cidade.
Boa leitura!

***

O trabalho de um historiador é baseado na construção de narrativas acerca do passado ao analisar as fontes históricas. É comum escutarmos a expressão enganosa que “a história estuda o passado”. Na verdade, o que os historiadores investem seu tempo e energia são nas interpretações que são feitas sobre o passado, e é aí que as fontes históricas aparecem, dando os sentidos para questionamentos pré-estabelecidos na mente do pesquisador.

Uma pesquisa histórica é algo muito sério, não cabe julgamento de valores, mas sim interpretações e cuidados ao olhar uma fotografia do início do século XX, uma pintura do período renascentista, um texto publicado em jornal do século XIX, enfim, a variedade e os cuidados são imensos para quem pratica o ofício de historiador.
Exemplo disso foram os achados arqueológicos que revelaram a presença dos primeiros moradores do território que hoje leva o nome de Salto, refiro-me aos indígenas Guaianazes, do tronco Tupi-Guarany. Entre os anos de 1980 e 1990, foram encontradas Igaçabas com ossadas, dando a interpretação de que tal objeto teria sido utilizado como urnas funerárias para a aldeia denominada Paraná-Ytu. Tais objetos, junto às pontas de flechas, podem ser vistos no Museu Municipal Ettore Liberalesso.

O estudo da vida indígena na cidade é algo que merece uma atenção de todos nós, entender de onde de fato viemos e saber que muito da nossa cultura de hoje provém da herança dos nativos. Citei o fato como exemplo para mostrar a riqueza de informações que uma fonte histórica, vestígios deixados por populações que atuaram antes de nós, são fundamentais para o trabalho com a história. Neste sentido, “fonte histórica é, em essência, conhecimento por meio de documentos”. (VEYNE, 2014)

“As fontes históricas, além de permitirem que o historiador concretize o seu acesso a determinadas realidades ou representações que já não temos diante de nós, permitindo que se realize esse “estudo dos homens no tempo” que coincide com a próprio História, também contribui para que o historiador aprenda novas maneiras de enxergar a História e novas formas de expressão que poderá empregar em seu texto historiográfico.” (BARROS, 2013)

Diante disso as fontes se abrem para novas abordagens, novas problemáticas, é impossível separar a fonte histórica do historiador. Pois bem, o presente texto busca trabalhar com um tipo fonte que é interessante aos olhos deste que aqui escreve, um tipo de fonte que aprendi há algum tempo a olhar como historiador e a colecionar como curioso, são os tijolos antigos. Toda vez que passo por construções ou reformas em centros de cidade, dou uma olhada nas caçambas de entulhos para verificar se existe algum “tijolinho” com símbolos ou letras, se minha busca for positiva, recolho e levo para casa. Tenho alguns das cidades de Itu e de Salto.

Era comum que as formas dos tijolos de barro, vamos entender com o olhar de historiador como “fonte da cultura material”, tivessem as siglas do nome de quem tinha uma olaria ou do dono da casa que fosse mais afortunado. As possibilidades para trabalhar com eles são diversas, podemos tentar entender a forma de trabalho nas olarias, a vida das pessoas que (literalmente) construíram as cidades, enfim, o repertório se abre para inúmeras possibilidades. Uma delas é saber a biografia e contexto histórico das pessoas ou instituições que possuem suas siglas marcadas nos objetos.

Diante do exposto, apresento aqui quatro tijolos da minha coleção, ambos da cidade de Salto.

1.

Inicio com um dos preferidos da coleção, o F.F.B. Trata-se de um tijolo que almejava há algum tempo e via muitos dele no Museu de Salto. A sigla é a abreviação de Francisco Fernando de Barros, mais conhecido como Barros Jr. Ele veio parar em minhas mãos numa tarde quando passei em frente a um antiquário na cidade e vi um belo oratório, entrei para ver o preço. Olhei para o chão e o vi ali, imediatamente perguntei sobre o tijolo e o vendedor não sabia ao certo o que significava a sigla, mas sabia que era muito antigo. Pois bem, contei a história do Barros Jr. e adquiri o tijolo por um valor apenas simbólico. Vale mencionar que, alguns anos depois, meu cunhado Eric, sabendo do meu gosto por tijolos, deu-me um que estava em sua casa, assim, agora tenho dois.

Segundo a historiadora Dra. Anicleide Zequini:

“Barros Júnior, republicano, abolicionista e proprietário da segunda fábrica de tecidos instalada em Salto, nasceu em Capivari-SP em 17 de março de 1856, localidade em que seu pai Francisco Fernando de Barros se destacava como um dos principais produtores de açúcar.” (ZEQUINI, 2018)

Entre os feitos de Barros Jr. em Salto, vale destacar:
– Fundação da segunda fábrica de tecidos da cidade em 1880.
– Formação do Grêmio Musical com operários da fábrica em 1880.
– Apresentou o projeto para elevar Salto a categoria de vila em 1889, momento em que era vereador por Itu.
– Fundou o jornal Correio de Salto em 1888.
– Já na república, foi Deputado pelo Partido Republicano Paulista.
Francisco Fernando de Barros Júnior faleceu em 1918.

2.

O segundo tijolo vem com a inscrição J.C.

Quando encontro, compro ou ganho algum desses objetos, minha primeira fonte de pesquisa, da qual sou muito grato pela disponibilidade em ceder um tempo para me ajudar, é o Prof. Antônio Oirmes Ferrari.

Professor Ferrari me informou que muito provavelmente a inscrição marcada no tijolo seja uma referência a João Coltro, que se mudou com sua família para Salto em 1935 (eram de Indaiatuba). Vieram ele, esposa e mais seis filhos.

Lá em Indaiatuba, eles tinham uma pequena roça de subsistência e, quando se mudam para Salto, compram uma chácara e produziam os mesmos produtos com destaque para as frutas. Não sabemos ainda, professor Ferrari e eu, se ele trabalhava com olaria ou pagou para ter sua sigla nas formas dos tijolos.

João Coltro nasceu em 05 de julho de 1900 e morreu em 27 de agosto de 1945.

3.

O “B” inscrito no tijolo, se és saltense, já deve ter imaginado de onde seja, se pensou Brasital, acertou!
Encontrei há alguns anos quando faziam uma reforma em uma das casas que outrora serviam de moradias aos chefes da antiga empresa e hoje é dependência da faculdade Cruzeiro do Sul. Passei de moto com meu irmão e ao encontrar uma caçamba de entulhos percebi que havia ali alguns tijolos antigos, peguei um e seguimos embora. Fico até hoje imaginando o que o pedreiro pensou naquele momento.

Veja o que diz o site do CONDEPHAAT sobre a antiga Fábrica de Tecidos:

“O conjunto das antigas instalações produtivas da Fábrica de Tecidos Brasital marca a paisagem urbana e cultural do município de Salto, sendo ponto de referência na margem direita do Tietê. Foi inicialmente erguido a partir das incorporações das fábricas de José Galvão e de Barros Júnior. O empreendimento foi adquirido pela “Società per l’Industria Italo-Americana” entre os anos 1904 e 1919, dando origem à Brasital S.A. (1919-1981). A fábrica ainda pertenceu ao Grupo Santista antes ser desativada, em 1995. Sob o controle da Brasital S.A., o primordial núcleo produtivo adquiriu as características e a denominação que o definem como um conjunto arquitetônico de tipologia industrial até hoje. Nesse período, além da expansão do setor produtivo, a fábrica também se estendeu física e economicamente pela cidade, com a edificação de estruturas destinadas à continuidade da produção, como armazéns, escola, creche e vilas operárias. A trajetória centenária dessa fábrica se confunde com a própria história da produção algodoeira no país, com as etapas da industrialização no interior de São Paulo e com os processos econômicos e sociais que impulsionaram o desenvolvimento da região. Por essas e outras razões, a Fábrica de Tecidos Brasital foi reconhecida como um representativo exemplar do patrimônio industrial paulista.”

4.

“L.R” são as inicias de Lúis Roncoletta. O Tijolo foi doado para mim pelo amigo, também professor e historiador Natan Coleta. Ao consultar o Prof. Ferrari, esse me informou por e-mail que: “Roncoletta fora qual um precursor das
cerâmicas em Salto, tendo há muitos anos formado a conceituada Cerâmica
São Bento, cujos tijolos, ainda hoje, se vê nas antigas construções, com as
iniciais L R. ou R L. Foi casado com Dona Brasília Roncoletta. O casal teve duas filhas e um filho. O filho tornou-se famoso pintor, com o nome artístico de LUBRA (LU de Luís e BRA- de Brasília). Todos são falecidos. Seu sucessor na conceituada Cerâmica fora o Sr. Manoel Fernandes, seu genro. Hoje, a referida Cerâmica está desativada há anos e no local foram abertos loteamentos.”

Procurei expressar aqui um gosto por colecionar tijolos, uma maneira de expressar possibilidades de trabalho ao vislumbrar os objetos como fontes históricas e, a partir deles, questionar e desenvolver estudos sobre a história da cidade em sua mais variada esfera. Muitos outros da coleção ainda aguardo confirmações para saber de quem eram e seus significados. Um trabalho de pesquisa que demanda tempo, mas é muito prazeroso.

Referências Bibliográficas
ANTIGA Fábrica de Tecidos Brasital. CONDEPHAAT, 2014. Disponível em: . Acesso em: 15 de jun. de 2021.

BARROS, José D’Assunção. A Expansão da História. Petrópolis: Editora Vozes, 2013.

LIBERALESSO, Ettore. Famílias de Salto. Salto: Editora Taperá, 2006.

VEYNE, Paul. Como se escreve a história; Focault revoluciona a história. 4.ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2014.

ZEQUINI, Anicleide. F. F. Barros Júnior. Academia Saltense de Letras, 2018. Disponível em: . Acesso em: 15 de jun. de 2021.

Créditos
Deixo registrado aqui os agradecimentos a algumas pessoas que foram importantes para a escrita deste artigo:
– Profa. Paula Pelegrini, minha esposa, sempre editando meus textos e colocando as vírgulas em seus devidos lugares.
– Prof. Luís Roberto de Francisco, dentre tantos ensinamentos, despertou em mim esse olhar para os tijolos como fonte histórica.
– Prof. Antônio Oirmes Ferrari, aquele que sempre consulto, mesmo que por e-mail, nos assuntos acerca da história da cidade e sempre se faz muito solicito.
– Ao sobrinho Enzo Vinicius Pelegrini de Lunes, um jovem curioso de nove anos de idade. É o autor das fotos dos tijolos e passou uma tarde de domingo me ajudando na limpeza para conservação dos objetos.

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2 anos atrás

Excelente trabalho. Tijolos Antigos tem muita história para nos contar…
http://museus.cultura.gov.br/space/single/21603   https://museudotijoloantigo.blogspot.com/

Marcos Aurélio Perez
2 anos atrás

Quer vender minha pequena coleção de tijolos antigos

1 ano atrás

Ola Marcos vc ainda tem sua coleção de tijolos para venda

André Fonseca Leme
1 ano atrás

Possuo um Tijolo com as iniciais A.C região de Mairinque SP