A ESTRELA
Por Andrade Jorge
Era uma dessas noites de verão muito convidativa para um passeio ou ir a um programa qualquer, mas estava sem saber para onde ir, até que me lembrei da manchete no jornal:
“Grande Show no Parque Harmonia”. O Parque Harmonia fica em Porto Alegre e eu morava naquela cidade.
Show ao ar livre com artistas reconhecidos nacional e internacionalmente, entre eles Gilberto Gil, talvez a maior estrela da noite. Perfeito! Boa música sob a cobertura do céu estrelado e de graça como convém ao povo, esse povo que está cansado de pagar tantos impostos e tome ICMS, IPI, COFINS, PIS, Taxa disso, Taxa daquilo, Taxa pra nascer, Taxa pra morrer, sem falar dos impostos provisórios que se transformam em eternos.
Mas calma! Isso é outro assunto, qualquer hora a gente mete o sarrafo pra valer, agora voltemos ao show. O local estava apinhado de gente! Era gente pra tudo quanto é lado, ainda bem que o Parque Harmonia comportava milhares de pessoas facilmente, por isso o evento fluía bem. E lá estava eu, bermudão, camiseta, tênis, bem esportivo mesmo. Circulei pelo ambiente para literalmente bisbilhotar as “novidades”. Perdi-me entre as barracas dos camelôs. Por falar em camelô, os senhores governantes deveriam construir o Camelódromo ou o “Choping” do Camelô, onde abrigaria todos eles, devidamente identificados e autorizados (aqui quando se fala “autorizado” lá vem taxa disso, taxa daquilo…!) Enfim, pelo menos teriam um local digno e deixariam as calçadas livres para o povo transitar.
Pronto! Entrei em devaneio outra vez. Bem, retornando ao show, enveredando entre as barraquinhas fui conferindo tudo: churrasquinho (sei lá se era de gato!), linguiça (sem trema, fica esquisita essa palavra, veja como soa sinistro: “O pinguim comeu linguiça”). Continuando… Tinha barraquinha de sanduíche, cerveja, refri, sorvete, algodão doce, pipoca salgada e doce, churros com mumu, cuca, água mineral, cachaça e outras “cositas mas”.
O calor era um convite irrecusável para uma cerva bem gelada; comprei uma latinha ao ponto. Essa abriu apetite para outra, agora sim a sede estava temporariamente satisfeita, entretanto quem toma cerveja está sujeito a procurar um banheiro para desaguar. E cadê o banheiro? Anda aqui, procura lá e nada. E a vontade aumentando. Até que achei uma fila enorme, deduzi ser fila para comprar cerveja. Nada, era fila do banheiro! Não dava pra esperar, afastei-me do local procurando um cantinho onde pudesse acabar com meu desespero. Foi aí que vi as benditas árvores! Notei também que não era o único desesperado, lá estava uma porção de barbados regando as bondosas e plácidas árvores. Aliviei-me também, não sem antes sentir aquele característico tremelique que todos os homens sentem quando estão se aliviando, depois aquelas balançadinhas pra retirar o excesso e enfia tudo braguilha adentro, puxa o zíper e pronto! É… mas teve uma vez que puxei o zíper apressadamente, resultado fechei a calça, o saco escrotal tudo junto, que dor! Se você é homem sabe o que estou falando, se não é depois explico melhor. Iiii … Devaneei de novo.
Voltando. Já recomposto procurei um lugar de boa visão para assistir ao show, que por sinal já havia iniciado. Encontrei um bom lugar e por lá fiquei assistindo os artistas que se revezavam na animação do povo, até que chegou o momento do grande Gilberto Gil se apresentar. A galera foi ao delírio, animação mais acentuada no público feminino, é claro, os homens se limitavam a aplaudir, se bem que observei uns “homens” que davam cada gritinho, que era uma coisa de louco, ou louca, sei lá.
E no meio daquela euforia toda vi dois seres do mesmo sexo se beijando, e eram homens! Bem, explico que não tenho nada contra as opções sexuais, mas que é esquisito, isso é… fala sério! No mínimo incomum. Eita! De novo divaguei, desse jeito vira novela das oito que sempre começa rigorosamente as nove e tanto, e quando o IBOPE está bom, eles vão esticando, esticando… Caramba! Desse jeito não termino esse texto.
O grande Gil começou então a mostrar sua arte, às vezes entre uma música e outra, ele falava de uma fumaça que invadia o palco, isso acontecia quando o vento mudava o curso e levava para aquele lado a fumacinha da barraca de churrasquinho; Acho que o homem estava com fome, porque quando sentia o cheiro perguntava onde estava o churrasco.
E o show ia se desenrolando de forma maravilhosa, até que após cantar uma música romântica, perguntou ao público se havia alguém que houvesse perdido um grande amor, que subisse ao palco, porque essa era a hora de se reabilitar, essa era a hora de abrir o coração e falar à amada ou ao amado.
Burburinho geral. E não é que no meio do povo alguém começou a gritar:
─ Aqui, aqui! Eu quero falar! E foi trombando com todo mundo até chegar ao palco. Foi recepcionado por Gil, conversaram um instante fora do microfone, até que lhe foi dada a palavra e falar a que veio. O homem começou a falar, na verdade era um pedido de perdão à sua amada. E ele dizia:
─ Querida, sei que você deve estar no meio dessa multidão assistindo ao show. Estou aqui para pedir que perdoe meus desatinos, fui levado pela fraqueza e acabei estragando tudo, mas juro, é você que amo, e estou aqui na frente deste público pedindo uma nova chance, porque você é a mulher da minha vida.
O povo começou a prestar atenção naquele apelo apaixonado e o silêncio aos poucos foi reinando. Ao meu lado estava uma mulher e um guri, que presumi ser filho dela, como se dizia antigamente “cara de um, fucinho de outro”, e o menino falava à mãe:
─ Olha! Parece que é o Roberto que ta lá no palco falando.
E a mulher demonstrando certa impaciência, retrucou secamente:
─ Não parece nada! Este show está chato, é melhor irmos embora.
Mas o menino estava convicto:
─ Vamos ouvir mais um pouco o que o Roberto está dizendo.
E a mãe ficando cada vez mais nervosa, dizia:
─ Que Roberto que nada, isso aí é palhaçada.
E o homem no palco continuava a falar, voltei a prestar atenção em sua fala:
─ Meu amor, tenho tanta certeza que você está aqui, só não sei onde, mas como nosso amor está escrito nas estrelas elas indicarão o lado que você está.
E de repente ele aponta para uma luz brilhante no céu e diz eufórico:
─ Você está deste lado. Disse isso indicando com a mão o lado direito do palco.
─ Querida! A estrela está me mostrando onde você está porque sabe que estou falando a verdade.
Também olhei para o céu, e não é que a tal estrela estava em nossa direção, e o menino insistia com a mãe:
─ Não disse que era o Roberto? E ele até sabe onde estamos.
E a mãe surpresa, olhou para o céu, estremeceu ligeiramente, parecia meio atônita, mas logo se recuperou e disse com energia:
─ Vamos embora! Mas o menino relutava.
E o homem no palco continuava com sua patética oratória:
─ Meu amor até as estrelas estão conspirando a nosso favor, compreenda que eu te amo.
A mulher segurou o braço do filho e começou a se afastar do lugar. O interessante é que aquela luz brilhante parece que se movimentou acompanhando a tal mulher. O menino fincou pé no chão, se jogou, gritou! Manja aquelas crianças mimadas que se jogam no chão quando querem alguma coisa que foi negada? Era o próprio. A mãe se rendeu à “malcriação” do menino e voltou. Surpreendentemente aquela luz a acompanhou outra vez. E o homem continuava:
─ Querida, aonde você for a estrela me indicará sua posição, e eu vou sair deste palco e te encontrar agora.
A mulher arregalou os olhos assustada, pegou a mão de seu filho e disse com autoridade:
___ Agora chega, vamos!!
Acho que o menino entendeu que seu limite havia terminado, percebeu que se retrucasse alguma coisa ia levar uns petelecos ali mesmo. Mãe e filho se afastaram do lugar, e a estranha luz os acompanhou por alguns instantes, mas logo, como por encanto apagou, sumiu.
O homem que havia descido do palco, guiando-se pela tal estrela ficou perdido na multidão e quando a estrela desapareceu, ouviu-se do povão aquele “ohhhhhh”.
E o show continuou.
Alguns quarteirões distantes do evento, um grupo de jovens conversavam com certa tristeza, sentados numa escadaria, um deles dizia:
─ É pessoal, o nosso balão estava tão lindo, subiu legal, acho mesmo que estava passando pelo parque Harmonia, bem onde está acontecendo aquele show, e o povão deve ter visto porque ele ficou pairando bem naquele ponto, e o brilho do fogo parecia uma estrela, não é mesmo? Pena que a tocha apagou, aí já era. Só não entendo o porquê ele ficou naquele vai e vem até que o fogo da tocha apagou.
Outro jovem se apressou em dar uma de entendido em aeronáutica e explicou:
─ Esse vai vem é consequência do deslocamento do ar, ora para um lado, ora para outro.
E um terceiro emendou:
─ Bah! Melhor assim guris, onde cair não vai causar estragos.
E a mulher e o seu filho passaram apressadamente pelo grupo de jovens, e o menino dizendo:
─ Não falei, mãe, que era o Roberto? Até aquela estrela estava acompanhando a gente…
Lá no parque o grande Gilberto Gil já estava ao lado da barraquinha de churrasco se lambuzando com os espetos, e comentava com os mais próximos:
─ Que coisa hein! Aquela estrela lá no céu…
FIM

Do livro “Contos, En…cantos&Peripécias”

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