A MARCA DE UM AUTOR

 

Sem margem de dúvidas a marca mais singular deixada por Aluísio Azevedo foi o Naturalismo. Assim, como último post sobre  meu patrono aqui na ASLe, na vã tentativa de expressar o estilo, recortei um trecho de um texto antigo que possuía e adaptei ao contexto atual. A leitura de um texto Naturalista/Realista não é do agrado de todos, vista a provocação que nos faz sair de nossa zona de conforto. Espero que gostem… ou não, espero que desgostem, talvez. Sem mais delongas… vamos ao texto.

 

 

Surto na UTI

E lá estava ela. A mais bela máquina da natureza de Deus sendo mantida por uma máquina criada por sua espécie. Aquela mesma que desgraçou o paraíso com o pecado original. De olhos abertos, mas sem quase enxergar. Estava atordoada pela grande quantidade de remédios que lhe davam… “São para seu bem” diziam. “Mas porque faziam tão mal, então?” Perguntava-se. Náuseas, palpitações, falta de ar, desanimo extremo,… Só conseguia sentir as máculas de sua estadia. De sua vida sem propósito. Entorpecida, os pensamentos que lhe vinham eram muito poucos. E esses poucos eram pesadelos aleatórios que a mantinham ligada ao fio da vida que estava alongado ao seu máximo, naquele instante. No princípio as picadas de agulha, as incisões nos dedos e os escalpes se faziam sentir ao penetrar sua carne. Pequenos choques que, por uma ou mais vezes levaram-lhe ao desespero:

-Vamos rápido! Disse o enfermeiro ao seu colega. Ela está surtando!

Ela se debatia e gritava como uma fera selvagem. Garras e presas apostos para imprimir sua marca em qualquer um que ultrapassasse seu espaço. Os braços escorrendo sangue pelos acessos brutalmente arrancados. O corpo seminu, magro e pálido mostrava as curvas ósseas em destaque. Os olhos profundos, quase invisíveis na orbita negra profunda de seu crânio. Estava sendo acuada e sua ferocidade se ampliava.

Sua visão se turvou por um instante e ela quase desfaleceu. Rápido e experientemente um vulto branco avançou e agarrou seu braço direito. Em seguida o esquerdo. Como duas argolas de ferro batido ela se viu presa. Estava prestes a desistir e aceitar seu açoite, mas num súbito de adrenalina retorceu o corpo e alcançou o antebraço de seu agressor com a boca. Um uivo alto se ouviu, seguido de um baque seco. O braço do enfermeiro e o rosto dela se perdiam em sangue e ninguém sabia qual era de quem… A ferida aberta no braço do enfermeiro se assemelhava em muito com a marca da pancada que quebrara o nariz dela.

– Porcaria! Ela me mordeu!!! Gritava o enfermeiro segurando a ferida a pouco exposta.

– Vá se cuidar! Conseguimos controlar aqui.

Suas energias se esvaíram tão subitamente quanto apareceram e agora jazia como morta em seu leito.O único vestígio era seu peito ainda ofegante. E a despeito do vermelho rubro espalhado por toda a sala, ninguém diria que há pouco ali o caos havia reinado. E na alvidez que prevalecia no conjunto daquele local tudo era sereno novamente.

0 0 votes
Article Rating

Faça um comentário!

Subscribe
Notify of
0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments