– E foi assim que o mundo acabou,

disse o gato, atrás dos óculos,

com uma tristeza de saudade,

daquelas que embargam a voz.

Nascido depois,

o menininho de olhos azuis

não tinha a dimensão.

– Como pode, senhor gato?

 

– Eu não sei como vivem,

disse o gato, olhando o infinito.

– Se procurar uma pilulazinha

de sinceridade, uma só,

não se encontra, não existe.

 

– Então as pessoas mentem

o tempo todo?, indagou o menino.

– O tempo todo, respondeu o gato.

– Mas como podem amar desse jeito?

– É o que eu digo, suspirou o gato.

– Não podem, elas fingem.

Elas dizem para si mesmas

que é verdade e acham que está bem.

 

– O macaco sacudiu um homem

outro dia querendo que acordasse,

retomou o gato.

– O homem lhe queria vender o coração.

– Mas sem coração não se vive,

senhor gato, concluiu o menino.

– Eu sei, você sabe, mas eles não.

 

O gato continuou o seu lamento:

– Vendem o coração,

trocam a alma, atiram fora

o amor, como se fosse pilha velha.

Não sentem mais nada.

O gato estava desconsolado.

– Procuram pílulas de amor

como drogados viciados.

Não tem mais, não se encontra mais.

Só tem pílulas de ódio agora.

 

– Nossa, assustou-se o menino.

Vendo os olhinhos azuis arregalados,

o gato chamou o menininho

para mais perto de si e contou,

como se fosse um segredo,

só tem uma saída.

– E qual é essa saída, senhor gato?

– As pessoas precisam se olhar,

se olhar no espelho.

 

– Bem isso é fácil, disse o menino.

– Não é como pensa, atalhou o gato.

– Por quê?, arregalou os olhinhos azuis de novo.

– Porque não existem mais.

Os espelhos acabaram.

Foi quando acabaram as pílulas,

as pílulas de sinceridade.

 

– E onde encontrar espelhos,

onde, senhor gato?

– Eu não sei, eu não sei,

disse abaixando a cabeça.

– Então, voltamos ao início?,

irritou-se o menininho.

 

– Espere, tem um jeito,

iluminou-se o gato.

Os olhinhos azuis arregalaram-se outra vez.

– É só olhar nos olhos de cada um.

Olhe nos olhos sem medo.

Dentro de cada ser humano

está o reflexo do outro.

As pessoas não se olham mais.

Perderam a referência.

 

– E como fazê-las olhar nos olhos?,

perguntou o menininho.

– Eu não sei, eu não sei,

mas sei que dá certo,

vislumbrou o gato.

– Alguém tem de começar,

continuou ele.

– Comece você, que tem

olhos azuis tão doces.

E o menininho olhou o infinito

com a certeza de que tinha

uma grande missão.

 

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