Mergulhado em um trabalho árduo de pesquisa, que começou em 2015 quando conheceu o também escritor José Sabino Bassetti, estudioso do assunto, ele produz um livro sobre o tema que já está com 362 páginas

 

O escritor João Carlos Milioni mostra a apresentação que preparou com José Sabino Bassetti sobre Lampião

O escritor João Carlos Milioni confessou no sábado, 11 de novembro, no “Momento Literário”, espaço criado pela atual diretoria da Academia Saltense de Letras nas reuniões ordinárias mensais para falar de literatura, que se considera contaminado com as histórias dos cangaceiros do bando de Lampião. “Eu gosto do assunto, já viajei uma porção de vezes para o norte/nordeste em busca de informações e, a cada fato novo que conheço ou descubro, fico mais apaixonado”, disse ele durante palestra sobre o tema.

Convidado de novembro do espaço, o acadêmico, titular da Cadeira 21 da Academia Saltense de Letras, patrono João Guimarães Rosa, mostrou quase a metade da apresentação que havia preparado para falar no Instituto Central de Direito e Educação. O tempo de uma hora foi pequeno para tanta história diante da empolgação e dos detalhes que o escritor acumulou ao longo de oito anos de pesquisa, iniciados em 2015 quando conheceu José Sabino Bassetti, também acadêmico em Salto, falecido em 2020.

O entusiasmo e a fartura de detalhes levaram a exposição a ser maior que o tempo

“O Sabino era uma sumidade no assunto quando se falava do bando de Lampião. Ele foi até lá, conheceu gente que esteve no movimento ou que conheceu quem esteve. Gente que já morreu e eu não tive oportunidade de conhecer. Mas não é só conhecer: ele era um pesquisador apaixonado. Descobriu coisas que os livros de história a respeito não contam e que ficariam esquecidas não fosse esse trabalho. Quando o conheci, me apaixonei também pela história. Pena que ele partiu”.

 

Bando era violento

Durante a palestra, João Milioni disse que havia preparado uma apresentação sobre o livro que escrevia com Sabino com 40 slides. “Eu disse a ele, eu mostro o slide e você comenta. Ele disse: deixa comigo. Agora vou mostrar os slides e eu mesmo vou comentar. Não é fácil sem ele. Mas vamos lá”, lamentou-se. Logo o receio se dissipou em meio a uma empolgação que era possível de se ver nos olhos brilhantes do escritor e na fala sem pausas ou nas respostas recheadas de detalhes para cada pergunta que recebia”.

Escritor não tem dúvidas de que Lampião foi um bandido

Ao ser perguntado se considerava Lampião um herói ou um bandido diante da sua empolgação com os feitos do líder do bando, que passou a comandar o grupo aos 21 anos apenas de idade, João Milioni retomou o distanciamento de escritor e foi enfático: “Para mim, ele era um bandido. Tem um livro que faz esse questionamento: ‘Lampião, herói ou bandido?’, mas, por tudo que eu já vi e estudei dele, não tenho dúvidas de que ele foi um bandido. Só que teve outros muito piores que ele e que só não comandaram”.

Para o escritor, os cangaceiros foram cruéis, bárbaros e bandidos, mas é preciso ver que havia um contexto. Na época, não existia justiça. As contendas eram resolvidas à bala ou à faca, porque a justiça e a polícia estavam do lado dos poderosos. “O bando só amenizou essa postura quando Maria Bonita entrou para o grupo em 1930. Ela não permitia que mulheres fossem estupradas ou seviciadas. Não permitia castrações de prisioneiros. Lampião mandava e todos obedeciam. Mas a violência sempre foi grande”.

 

Livro longo

O livro que João Milioni escreve sobre Lampião já tem 362 páginas

Na palestra sobre o livro que já está com 362 páginas, João Milioni começou falando dos primeiros cangaceiros até chegar a Lampião e explicou que o cangaço surgiu por meio de homens maus que viraram bandidos. O primeiro deles foi José Gomes, o Cabeleira, da Zona da Mata pernambucana. Ele fez tantas maldades que foi enforcado em 1776. Depois veio Lucas da Feira, que era escravo de um padre em Feira de Santana, na Bahia. O padre o colocou para aprender carpintaria e ele matou o mestre. Foi morto em 1849.

Seguiu-se Jesuíno Brilhante, conhecido como cangaceiro romântico. Ele viveu no Rio Grande do Norte e morreu em 1879. O próximo foi Antônio Silvino, de Recife, em 1914. Ele teve uma briga política e virou bandido. Outro cangaceiro nessa lista foi Sinhô Pereira. Ele nasceu na mesma cidade de Lampião: Serra Talhada, em Pernambuco. “Esse é o homem que passou o bando para Lampião. Ele tinha 80 cangaceiros sob seu comando. Padre Cícero disse que a Sinhô que deveria sumir e ele foi embora para Minas”.

João Milioni viajou várias vezes ao norte/nordeste para levantar as histórias

Na época, Lampião tinha 21 anos e já estava no bando. Ele entrou para o grupo por uma briga com José Saturnino, cuja mãe era madrinha dele, Lampião. Os dois passaram a vida brigando, mas nunca nem um e nem outro conseguiu matar o inimigo. “Teve um episódio interessante em que Lampião cercou a casa em que Saturnino estava e ia matá-lo, mas a madrinha perguntou de dentro da casa se era ele que estava lá e ele disse que sim. Então ela mandou que fosse embora e ele foi. Madrinha era muito respeitada”.

 

Inimigos e perseguidores

Depois, João Milioni contou quais eram os inimigos de Lampião. As principais eram as volantes, grupos de soldados e civis que combatiam os cangaceiros. “Os cangaceiros estavam sempre com muito ouro e dinheiro que roubavam para se manter, já que não podiam ter residência fixa e tinham de pagar para estar em lugares e não serem denunciados. As volantes ficavam com o que o cangaceiro que pegassem tivesse. Era um estímulo financeiro que motivava muitos a se voluntariarem na busca do bando.

A reunião foi híbrida, o que permitiu a participação de acadêmicos até dos Estados Unidos

Outro inimigo de Lampião foi o tenente João Bezerra, nascido em Afogados da Ingazeira, Pernambuco. Foi ele que acabou dando cabo de Lampião em 1938 em Angico, Poço Redondo, em Sergipe. Fez uma emboscada com informações do coiteiro ou homem de confiança de Lampião, conhecido como Pedro de Cândido. Outro inimigo foi o tenente Zé Rufino, que foi quem matou Corisco, o braço direito de Lampião no bando. Ele era de São José do Belmonte, Pernambuco. O tenente morreu em 1968 em Jeremoabo, na Bahia.

O último dos inimigos relatados na palestra foi Antônio Jacó, conhecido como Mané Véio ou a “Fera de Angico”. João Milioni o descreveu como um homem muito cruel. “Ele obteve uma informação de que a mulher dele tinha recebido um bilhete de um homem e a matou com um tiro na cabeça. O bilhete era de compras para serem feitas no mercado”. Vários acadêmicos e a presidente da Academia, Anita Liberalesso Neri, fizeram perguntas. Como o assunto é longo, o escritor deverá fazer uma nova palestra em 2024.

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