(…)

Pra mim, livro é vida; desde que eu era muito  pequena os livros me deram casa e comida.

Foi assim: eu brincava de construtora, livro era tijolo; em pé, fazia parede; deitado, fazia degrau de escada; inclinado, encostava num outro e fazia telhado.

E quando a casinha ficava pronta eu me espremia lá dentro para brincar de morar em livro.

De casa em casa eu fui descobrindo o mundo ( de tanto olhar pras paredes).

Primeiro, olhando desenhos; depois, decifrando palavras.

Fui crescendo; e derrubei telhados com a cabeça.

Mas fui pegando intimidade com as palavras. E quanto mais íntimas a gente ficava, menos eu ia me lembrando de consertar o telhado ou de construir novas casas.

Só por causa de uma razão: o livro agora alimentava a minha imaginação. Todo o dia a minha imaginação comia, comia, comia. E de barriga assim toda cheia, me levava pra morar no mundo inteiro; iglu, cabana, palácio, arranha-céu, era só escolher e pronto, o livro me dava.

Foi assim que, devagarinho, me habituei com essa troca tão gostosa que – no meu jeito de ver as coisas  –  é a troca da própria vida; quanto mais eu buscava no livro, mais ele me dava.

Mas como a gente tem mania de sempre querer mais, eu cismei um dia de alargar a troca: comecei a fabricar tijolo para – em algum lugar – uma criança juntar com outros, e levantar a casa onde ela vai morar.

(Trecho extraído de “Livro: um encontro com Ligya Bojunga”)

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