I – Poemas aos Homens do nosso tempo

Amada vida, minha morte demora.

Dizer que coisa ao homem,

Propor que viagem? Reis, ministros

E todos vós, políticos,

Que palavra além de ouro e treva

Fica em vossos ouvidos?

Além de vossa RAPACIDADE

O que sabeis

Da alma dos homens?

Ouro, conquista, lucro, logro

E os nossos ossos

E o sangue das gentes

E a vida dos homens

Entre os vossos dentes.

***********

Ao teu encontro, Homem do meu tempo,

E à espera de que tu prevaleças

À rosácea de fogo, ao ódio, às guerras,

Te cantarei infinitamente à espera de que um dia te conheças

E convides o poeta e a todos esses amantes da palavra, e os outros,

Alquimistas, a se sentarem contigo à tua mesa.

As coisas serão simples e redondas, justas. Te cantarei

Minha própria rudeza e o difícil de antes,

Aparências, o amor dilacerado dos homens

Meu próprio amor que é o teu

O mistério dos rios, da terra, da semente.

Te cantarei Aquele que me fez poeta e que me prometeu

Compaixão e ternura e paz na Terra

Se ainda encontrasse em ti, o que te deu.

II – Testamento Lírico

Se quiserem saber se pedi muito

Ou se nada pedi, nesta minha vida,

Saiba, senhor, que sempre me perdi

Na criança que fui, tão confundida.

À noite ouvia vozes e regressos.

A noite me falava sempre sempre

Do possível de fábulas. De fadas.

O mundo na varanda. Céu aberto.

Castanheiras douradas. Meu espanto

Diante das muitas falas, das risadas.

Eu era uma criança delirante.

Nem soube defender-me das palavras.

Nem soube dizer das aflições, da mágoa

De não saber dizer coisas amantes.

O que vivia em mim, sempre calava.

E não sou mais que a infância. Nem pretendo

Ser outra, comedida. Ah, se soubésseis!

Ter escolhido um mundo, este em que vivo,

Ter rituais e gestos e lembranças.

Viver secretamente. Em sigilo

Permanecer aquela, esquiva e dócil.

Querer deixar um testamento lírico

E escutar (apesar) entre as paredes

Um ruído inquietante de sorrisos

Uma boca de plumas, murmurante.

Nem sempre há de falar-vos um poeta.

E ainda que minha voz não seja ouvida

Um dentre vós, resguardará (por certo)

A criança que foi. Tão confundida.

III – Da noite

Vi as éguas da noite galopando entre as vinhas

E buscando meus sonhos. Eram soberbas, altas.

Algumas tinham manchas azuladas

E o dorso reluzia igual à noite

E as manhãs morriam

Debaixo de suas patas encarnadas.

Vi-as sorvendo as uvas que pendiam

E os beiços eram negros e orvalhados.

Uníssonas, resfolegavam.

Vi as éguas da noite entre os escombros

Da paisagem que fui. Vi sombras, elfos e ciladas.

Laços de pedra e palha entre as alfombras

E vasto, um poço engolindo meu nome e meu retrato.

Vi-as tumultuadas. Intensas.

E numa delas, insone, me vi.

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