Quando eu era pequeno, o circo me fascinava.

A alegria do circo, os estranhos que o circo abrigava, os lugares para onde ia o circo quando partia.

O circo nunca criava raízes, mas era presente sempre.

Talvez eu me encantasse tanto por ser como o circo.

O riso é um guizo que me prende.

Pequeno ainda, eu me esticava feito girafa para alcançar um campo de visão, pelo qual pudesse ver de onde vinha.

Os palhaços eram maestros dessa alegria.

Quem me via rir das palhaçadas, achava que era bobo.

Até hoje rio de coisas nem tão engraçadas para os outros, mas elas carregam um feitiço especial daquela época.

Alguma coisa que vai além da piada apenas.

O circo é mágico.

Havia também tipos inesquecíveis nos circos.

Como esquecer da mulher barbada, do homem lobisomem, do homem que virava a cabeça em até 180 graus, parecendo tê-la soltado do corpo?

Quanto medo eles me deram.

Um frio na barriga de criança que não sabe nada do mundo e que só imaginava o que havia além da esquina.

Quando vi o anão, que se intitulava o menor homem do mundo, fiquei pensando que fórmula ele usava para não crescer e quantas vezes eu não quis crescer também.

E da menina que se dobrava tanto a ponto de caber em uma mala como se tivesse um terço do seu tamanho?

Eu não conseguia dobrar nem o tronco sobre as pernas.

Havia ainda a incrível coragem e habilidade de equilibristas da corda bamba, de malabaristas que formavam pilhas humanas sem deixar os pratos caírem.

Como não admirar os trapezistas que se atiravam de um lado a outro do picadeiro sem rede de proteção?

E os mágicos propriamente ditos então? Que vontade de aprender a fazer. De ter agilidade maior que os olhos.

Quando o apresentador dizia: “Respeitável público”, era como descer em uma montanha russa.

As emoções mexiam com a gente da cabeça aos pés.

Os engolidores de espada chegavam bem pertinho da gente para mostrar como faziam e a boca abria sozinha.

Como era fascinante descobrir essas novas realidades.

Eu ficava sonhando com os lugares descritos pelos palhaços por onde o circo passava e que faziam parte de histórias engraçadas que eles contavam.

Até tentei um dia ir embora com um circo.

Não fosse meu pai me buscar de cinta na mão, teria ido.

Mas eu não ia só assistir aos espetáculos.

Gostava de visitar as imediações das grandes carretas que carregavam o circo de uma cidade a outra.

Geralmente era expulso pelos artistas.

Sempre achei que faziam isto para que ninguém soubesse os segredos que eles guardavam para as apresentações.

Um dia descobri que não era bem isso.

Na companhia de um amigo fui explorar a parte detrás das carretas, onde estava a jaula do elefante.

O ajudante dizia para o tratador da sua preocupação:

– O Duílio não está bem. Tem ficado violento à noite. Eu acho que são dores. Olha os joelhos dele.

– Pare de falar disso. Não podemos fazer nada. Ele vai ter de se apresentar até morrer. É o destino dele.

Ouvir aquela frase quebrou muito do encanto que tinha ao ver as apresentações do elefante.

Só aí comecei a olhar os outros animais e a perceber como havia maus-tratos e sofrimento entre eles.

Eu e meu amigo resolvemos denunciar.

Falei com meu pai, mas ele disse para não me meter com isso que gente de circo não pensava duas vezes antes de agredir e até matar quem se metesse com eles.

Não conseguimos denunciar.

O circo foi embora com o elefante Duílio. Não sei se ele sobreviveu por muito tempo. Uma pena.

Felizmente hoje existe mais proteção, tanto que o dia 12 de agosto é considerado o Dia Mundial do Elefante.

A data foi criada para proteger esses animais, que são tão grandes e fortes (chegam a pesar 7 toneladas), mas se pelam de medo, por incrível que pareça, de abelhas.

Os circos mudaram muito.

Até mesmo os estranhos que tanto me fascinavam foram proibidos, pois eles também eram abusados.

Restaram as emoções de um tempo inesquecível.

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