Escritor trabalha na pesquisa para escrever a história desde 2015 e pretende ainda, antes de terminar a obra, fazer mais duas viagens ao nordeste para os lugares onde o rei do Cangaço viveu e deixou suas marcas 

 

O escritor João Milioni ao lado do projetor de slides sobre o Cangaço da sua apresentação

Primeiro convidado do ano para o “Momento Literário”, espaço criado pela atual diretoria da Academia Saltense de Letras nas reuniões ordinárias mensais para falar de literatura, o escritor João Carlos Milioni revelou no sábado, 2 de março, que seu livro sobre a saga de Lampião, o rei do Cangaço, e seu bando deve chegar a 600 páginas devido ao volume de informações que vem reunindo.

O trabalho de pesquisa começou em 2015, quando ele conheceu e se tornou um grande amigo de José Sabino Bassetti, também acadêmico em Salto, morto por um câncer em 2020 e que era um profundo conhecedor de Virgulino Ferreira da Silva, o nome de batismo do líder de um grupo com variadas formações que dominou o nordeste do Brasil entre os anos de 1922 e 1938, quando morreu.

Fascinado pela história, João Milioni, Cadeira 21 da Academia, patrono João Guimarães Rosa, se propôs a ajudar Bassetti nas pesquisas e fez várias viagens para o norte/nordeste em busca de detalhes ainda desconhecidos do grande público com as poucas pessoas vivas daquela época e para recolher informações de instituições e de estudiosos do assunto que estão por lá.

A apresentação sobre a pesquisa do escritor, que vem desde 2015, durou duas horas

Homenagem a Sabino

João recordou e se emocionou ao lembrar que Bassetti morreu enquanto ele estava em uma dessas viagens e que faria essa viagem com o amigo, mas ele não pôde acompanhá-lo por causa do agravamento da doença. “Eu soube da morte dele lá no Cangaço. Foi um baque muito grande para mim. Por isso, decidi dar continuidade ao projeto e vou levá-lo até o fim como uma homenagem a ele”.

Quando começaram as pesquisas, Bassetti deu a João Milioni seis páginas manuscritas que havia feito para dar início ao livro. “Guardo até hoje essas páginas e elas vão estar no livro. Quero prestar uma grande homenagem ao Sabino. Ele foi um mestre para mim”. Perguntado se o amigo seria considerado um coautor do livro, o escritor disse que não porque toda a pesquisa é ele quem tem feito.

Para finalizar a busca por informações, João Milioni pretende fazer mais duas viagens ainda para a região onde Lampião viveu e morreu a fim de obter as últimas informações que faltam. Ele disse que a ideia não é fazer um livro para endeusar Lampião nem para demonizá-lo. “As duas situações existem entre a população, mas não pretendo entrar nesse mérito. Quero trazer novidades só”.

Crueldade e curiosidades

A apresentação de sábado foi a segunda que João Milioni fez a respeito do livro, já que, assim como o volume de informações a serem contadas será grande, o de dados colhidos e levados para o conhecimento dos acadêmicos também foi amplo e não coube em apenas um dia na primeira apresentação realizada no último “Momento Literário” do ano passado, em 11 de novembro.

Acadêmicos ficaram interessados e fizeram muitas perguntas ao final da palestra

A exposição de sábado, 2 de março, mostrou algumas das figuras do bando de Lampião, a começar por Zé Baiano, que era chefe de um subgrupo de cangaceiros. “Ele era tão violento e cruel que o Sabino me disse em uma das nossas viagens para o Cangaço que ficou com medo só de olhar para a cara dele”. O cangaceiro tinha o hábito de marcar a ferro no rosto as mulheres com suas iniciais.

Corisco foi outro cangaceiro cruel, segundo João. “Ele tinha um punhal comprido e gostava de jogar as vítimas para cima de modo que elas caíssem sobre o punhal. Dizia que gostava de ver as pessoas estrebucharem até morrer”. De acordo com a pesquisa, ele foi morto dois anos depois de Lampião por uma rajada de metralhadora do tenente Zé Rufino, que o estraçalhou.

Confronto e reverência

Outro nome lembrado foi o de Jararaca, que virou lenda no nordeste por ter sido morto em um confronto em Mossoró. João contou que Lampião quis invadir a cidade. Na época, ele estipulava um preço a ser pago para que ele e seu bando não passassem pela cidade. Era o meio de o grupo se manter. Em Mossoró, o prefeito disse que não pagaria e que receberia o grupo à bala.

Descontente com a afronta, Lampião levou 120 homens para lá para conferir se o prefeito cumpriria sua ameaça. Houve confronto violento e muita troca de tiros durante duas horas. Mas o único morto entre os cangaceiros foi Jararaca. Ele levou um tiro e ficou ferido. Foi capturado e torturado por quatro dias. Depois foi morto. Por causa da tortura a ele, a população passou a reverenciá-lo.

Escritor fará homenagem ao colega de Academia José Sabino Bassetti

Cangaceiro bonito

O cangaceiro Juriti foi mencionado por João como o mais bonito do bando. “Por onde ele passava as mulheres ficavam morrendo de amores, mas ele era terrível e cruel”. Foi preso em uma emboscada, acabou solto por uma anistia concedida pelo governo. Depois foi trabalhar de vigia em uma fábrica e deixou o Cangaço. Mesmo livre, ele foi morto pelo sargento chamado Deluz, que odiava o Cangaço.

Em toda a palestra, João Milioni contou as crueldades de vários outros cangaceiros, culminando com a morte de Lampião e outros sete companheiros e sua mulher Maria Bonita. “Não sei se vou conseguir colocar no livro todas as histórias mais importantes, porque são 20 anos de história com Lampião e mais dois com o Corisco, mas vou tentar ser o mais preciso”, disse o escritor.

Ao final da exposição, a presidente da Academia, Anita Liberalesso Neri, agradeceu o compartilhamento do trabalho de pesquisa e disse estar ansiosa pelo livro. Outros acadêmicos fizeram perguntas sobre a apresentação e a conversa se estendeu por mais uma hora depois de encerrada a fala do escritor. João Milioni disse que ainda não sabe quando vai conseguir terminar efetivamente o trabalho.

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