Há 101 anos nascia no Recife, em Pernambuco, o poeta João Cabral de Melo Neto, que fez da sua poesia um marco na literatura brasileira, ao romper com o romantismo do início do século 20 e inaugurar a poesia cerebral.

As marcas dessa forma do fazer poético são o verso sintético, objetivo e rápido, calcado na metalinguagem para a apresentação de objetos, como a pedra e o sol, e que mostram um poeta firme, incisivo, claro e extremamente direto.

Integrante da geração de 45, a fase madura do modernismo, Cabral evitou os versos livres e sem rimas, que fizeram famosos nomes como Drummond, para usar a métrica, mas com rimas toantes, que são as rimas imperfeitas.

De acordo com especialistas da sua obra, como Antônio Carlos Secchin, que o estudou por 40 anos, o poeta escrevia para dar ordem à vida e era um como autor e outro como pessoa, por conta da sua vida conturbada por doenças.

“Ele fez uma autobiografia cruzada ao descrever-se em terceira pessoa por meio de objetos frios, como a pedra, e de um distanciamento da poesia confessional”, afirmou Secchin em entrevista à TV Brasil.

João Cabral de Melo Neto escreveu 20 livros, mas se consagrou com “Morte e Vida Severina”, um auto de Natal que havia produzido para a renomada autora de livros infantis Maria Clara Machado, do teatro Tablado, em 1954.

Curiosamente, Maria Clara não gostou do texto e não quis montá-lo para a apresentação no teatro. Apesar disso, o auto é o livro de poemas mais amado, lido e editado da história da literatura brasileira, segundo Secchin.

“Morte e Vida Severina” retrata a vida difícil de um retirante no nordeste, que só encontra a morte pela frente. O texto teve mais de 100 edições, foi para o cinema e o teatro, além de ter virado também um filme de animação.

O poeta brinca com o nome Severino, que vira um adjetivo na história por representar um entre muitos outros que tem mesmo destino: morrer de emboscada antes dos vinte anos, de velhice antes dos trinta ou de fome a cada dia.

Cabral nunca superou a rejeição de Maria Clara Machado e, quando o auto se tornou um sucesso, ele foi irônico: “Nem é um texto muito bom, pois nem Maria Clara Machado gostou”, disse ele em uma provocação direta a ela.

Apesar de mostrar uma trajetória marcada pela tristeza de um homem que percorre o sertão em busca de uma expectativa de vida melhor no litoral, a história se chamou morte e vida para terminar com a vida, que renasce.

João Cabral de Melo Neto é o poeta do movimento, conforme o livro de Antônio Carlos Secchin “A Poesia do Menos”. O autor diz que essa característica pode ser observada quando o poeta foi morar no Rio de Janeiro em 1942.

“De frente para a Baía da Guanabara, ele dizia que o Rio era feio e que preferia passar as tardes no alpendre vendo o vento balançar o canavial ou vendo o Rio Capibaribe passar como um filme de cinema e imaginar a sua origem”.

Para Secchin, tanto o vento quanto o rio mostram movimento e refletem a matéria-prima do poeta: aquilo que é sensível ou o que dá para ver, tocar, cheirar e comer, a superfície da vida, do corpo das pessoas e do mundo.

Inez, filha que teve com a primeira mulher Stella Maria Barbosa de Oliveira, diz que todos os cinco filhos eram viciados em romance histórico e que começaram a ler muito jovens, porque o poeta era obcecado por livros.

“Li ‘O Conde Monte Cristo’ integral aos nove anos. Aprendi com meu pai o que é liberdade de expressão. Mas ele sempre me colocava em fria: encontrava um escritor e ele dizia que eu era sua filha e que havia criticado a obra da pessoa”.

Quando passou a ser sarcástica com tudo isso, Inez foi advertida pelo pai. O sarcasmo, mesmo não entendido, deixa mágoas profundas. Ela devia usar a ironia. “Assim, se a pessoa é burra, acredita. Se é inteligente, fica na dúvida”.

Leia mais sobre João Cabral de Melo Neto, patrono da cadeira 31 desta Academia de Letras, a qual tenho a honra de ocupar, no link: http://bit.ly/3s6gmti.

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