Para que time você torce?

– Eu?

– É, você.

– Eu torço para quem é o melhor.

– Ah tá e quem é o melhor?

– O melhor? O melhor é… O melhor é o meu time.

– Você é bobo.

Eu era mesmo, afinal o único menino da escola que não tinha um time para torcer era eu.

Culpa do meu pai que não torcia para nenhum time.

Naquele tempo, no início dos anos 70, não ter um time para torcer significava ficar de fora de quase tudo.

Por isso, eu precisava arranjar um urgentemente.

Mas não poderia ser uma escolha aleatória. Os meninos perguntavam um monte de coisas sobre os times. Se não soubesse, ficaria claro que não torcia de verdade.

Eu não sabia como escolher.

Estava pensando em como fazer, quando minha mãe me mandou buscar pão e leite na padaria perto de casa no Bela Vista, bairro aonde fomos morar quando nos mudamos de Indaiatuba para Salto, um ano antes.

No caminho, passei em frente a um bar quase vazio.

Havia lá dois homens e o dono apenas, um homem miúdo de orelhas muito pequenas, que não escutava direito.

Mas o que me chamou a atenção no lugar foi um baleiro grande de vidro cheio de balas de amendoim.

Eu adorava balas de amendoim.

Entrei para comprar algumas.

Ao me ver, o dono do bar quis saber logo:

– Para que time você torce?

– Eu?

– É, você.

– Eu torço para quem é o melhor.

– Ah tá, então não tem um time?

Fiquei vermelho na hora.

Ele havia descoberto o meu segredo. Parecia bem mais esperto que os meus colegas da escola. E agora?

– Se não tem um time, quer que eu o ajude a escolher?

Aquilo parecia uma sorte muito grande para mim.

– Eu não posso escolher um time assim, reagi.

– Por que não pode?

– Porque eu preciso saber tudo do time, senão os meus amigos vão perceber que eu comecei a torcer só agora.

– Ah, mas isso não é problema. Eu vou contar para você todas as glórias e conquistas do Palmeiras.

– Palmeiras?

– É, Palmeiras. Você quer torcer para o Palmeiras?

– Eu não sei. Ele é bom?

– Ele é o melhor.

– Então é o meu time: eu torço para o melhor.

Assim, aquele dono de bar me mostrou tudo de mais importante que ele conhecia sobre o Palmeiras, fiquei conversando com ele lá por uma hora ou mais e ele me deu uma porção de balas de amendoim e um chaveiro pequeno e verde do Palmeiras, que eu levei para casa como um troféu.

Minha mãe ficou brava pela demora, mas valeu a pena.

No dia seguinte, contei na escola que eu tinha um time.

– Para que time você torce?, perguntou um dos meninos.

– Eu?

– É, você.

– Eu torço para quem é o melhor.

– Ah tá e quem é o melhor?

– O melhor? O melhor é o Palmeiras. Meu time já foi campeão mundial em 1951, foi campeão brasileiro por quatro vezes e foi campeão paulista por 15 vezes.

– Uau, você torce mesmo.

Em seguida, mostrei o chaveiro e se formou um círculo em torno de mim para ouvir as histórias do Verdão.

Todo mundo ficou encantado, porque eu sabia muito.

A partir dali passei a me interessar por tudo que havia sobre o Palmeiras e a acompanhar o time.

Quando meu filho nasceu, eu disse:

– Vai ser palmeirense.

Mas depois achei melhor deixar que ele escolhesse. De qualquer forma, estaria ali para falar do Palmeiras.

Assim que começou a jogar futebol comigo em casa, ele me perguntou bem sério:

– Para que time você torce pai?

E eu disse com orgulho:

– Palmeiras.

– Então eu também vou torcer para o Palmeiras.

A declaração soou como um hino.

Um dia quando ele ainda era menino fomos ao estádio do Ituano para assistir Palmeira e Ituano.

Era a primeira vez que ele ia a um estádio.

Com medo de que pudesse ocorrer alguma briga que o colocasse em risco, comprei cadeiras numeradas.

O custo era quatro vezes maior que o da geral, mas o problema mesmo é que só torcedores do Ituano tinham acesso às cadeiras e nós ficamos no meio deles.

O jogo começou e o Palmeiras fez o primeiro gol.

Meu filho pulou, gritou, vibrou e festejou como se estivesse em casa, mas os torcedores do Ituano ficaram de olho grande. Como eram senhores já, relevaram o entusiasmo do menino. Eu festejava por dentro só.

O Ituano empatou e todos os torcedores pularam a nossa volta, mas meu filho começou a dar socos na cadeira.

– Segura o menino pai. Ele já está na torcida errada. Se continuar assim, vai se dar mal.

Eu o acalmei e continuamos vendo o jogo.

O Palmeiras voltou a ficar na frente.

De novo, meu filho fez aquela festa.

Os mais próximos se irritaram e queriam nos tirar de lá.

Discuti com eles, porque tinha pago caro pelas cadeiras.

Ficamos.

Mas o clima continuou tenso.

Os torcedores do Ituano só se acalmaram quando o time deles empatou novamente.

Resultado: paguei quatro vezes mais para não pegar uma briga, quase apanhamos e ainda não vencemos.

Mais tarde, quando meu filho já era adulto, fomos juntos ao estádio do Palmeiras, o Allianz Parque.

E o Palmeiras venceu o Fluminense por 2 a 1 pela Copa do Brasil, mas aí estávamos na torcida do Palmeiras.

Neste dia 26 de agosto, quando o Palmeiras completa 106 anos de fundação, tenho mais orgulho ainda de dizer que eu tenho um time para torcer.

O Palmeiras é o “Campeão do Século 20”.

Venceu 10 Campeonatos Brasileiros (o maior vencedor da história), 3 Copas do Brasil, 1 Libertadores, 1 Mundial, 23 Paulistas, 5 Rio-São Paulo e 2 Brasileiros da Série B.

Por isso, quando me perguntam para que time você torce, eu respondo como fazia aos nove anos:

– Eu torço para quem é o melhor.

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