Versos Escritos N’água

 

Os poucos versos que aí vão,

Em lugar de outros é que os ponho.

Tu que me lês, deixo ao teu sonho

Imaginar como serão.

 

Neles porás tua tristeza

Ou bem teu júbilo, e, talvez,

Lhes acharás, tu que me lês,

Alguma sombra de beleza…

 

Quem os ouviu não os amou.

Meus pobres versos comovidos!

Por isso fiquem esquecidos

Onde o mau vento os atirou.

 

*Livro A cinza das horas

 

O anel de vidro

 

Aquele pequenino anel que tu me deste,

– Ai de mim – era vidro e logo se quebrou…

Assim também o eterno amor que prometeste,

– Eterno! era bem pouco e cedo se acabou.

 

Frágil penhor que foi do amor que me tiveste,

Símbolo da afeição que o tempo aniquilou, –

Aquele pequenino anel que tu me deste,

– Ai de mim – era vidro e logo se quebrou…

 

Não me turbou, porém, o despeito que investe

Gritando maldições contra aquilo que amou.

De ti conservo no peito a saudade celeste…

Como também guardei o pó que me ficou

Daquele pequenino anel que tu me deste…

 

*Livro Berimbau e outros poemas

 

Os nomes

 

Duas vezes se morre:

Primeiro na carne, depois no nome.

A carne desaparece, o nome persiste mas

Esvaziando-se de seu casto conteúdo

– Tantos gestos, palavras, silêncios –

Até que um dia sentimos,

Com uma pancada de espanto (ou de remorso?),

Que o nome querido já nos soa como os outros.

 

Santinha nunca foi para mim o diminutivo de Santa.

Nem Santa nunca foi para mim a mulher sem pecado.

Santinha eram dois olhos míopes, quatro incisivos claros à flor

……………………………………………………………..[da boca.

 

Era a intuição rápida, o medo de tudo, um certo modo de dizer

……………………………………………..[“Meu Deus, valei-me”.

 

Adelaide não foi para mim Adelaide somente,

Mas Cabeleira de Berenice, Inominata, Cassiopeia.

Adelaide hoje apenas substantivo próprio feminino.

 

Os epitáfios também se apagam, bem sei.

Mais lentamente, porém, do que as reminiscências

Na carne, menos inviolável do que a pedra dos túmulos.

 

*Livro Opus 10

 

Vou-me embora pra Pasárgada

 

Vou-me embora pra Pasárgada

Lá sou amigo do rei

Lá tenho a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada

 

Vou-me embora pra Pasárgada

Aqui eu não sou feliz

Lá a existência é uma aventura

De tal modo inconsequente

Que Joana a Louca de Espanha

Rainha e falsa demente

Vem a ser contraparente

Da nora que nunca tive

 

E como farei ginástica

Andarei de bicicleta

Montarei em burro brabo

Subirei no pau-de-sebo

Tomarei banhos de mar!

E quando estiver cansado

Deito na beira do rio

Mando chamar a mãe-d’água

Pra me contar as histórias

Que no tempo de eu menino

Rosa vinha me contar

Vou-me embora pra Pasárgada

 

Em Pasárgada tem tudo

É outra civilização

Tem um processo seguro

De impedir a concepção

Tem telefone automático

Tem alcaloide à vontade

Tem prostitutas bonitas

Para a gente namorar

 

E quando eu estiver mais triste

Mas triste de não ter jeito

Quando de noite me der

Vontade de me matar

— Lá sou amigo do rei —

Terei a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada.

 

*Livro Libertinagem

 

Nasceu em 19/04/1886 (Recife). Morreu em 13/10/1968 (Rio de Janeiro).

 

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3 anos atrás

Meu poeta de versos inversos.

Liz
7 meses atrás

Muito bom essas poesias.
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Monica Soares
6 meses atrás

As poesias de Manuel bandeira são fantástica, muito bem criadas.
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