Um conhecido meu alcoólatra me disse certa vez: – Não beba quando estiver de boa, só porque está de boa. Essa é a senha para se tornar alcoólatra. Comigo foi assim. A tese dele se baseava em uma reportagem que leu, na qual se dizia que todo mundo pode se tornar alcoólatra se tiver o gene do alcoolismo. – Se tiver e beber, é batata, sentenciou.

Esse papo surgiu em uma conversa trivial. Nunca me afetou, porque não tenho histórico familiar de alcoolismo, mas voltou à cabeça quando fui colocar uma dose de uísque. Nesses dias de quarentena, me pareceu uma boa forma de distração. De repente, comecei a achar que havia algum sentido: – Se tiver e beber, é batata. Eu não sabia se tinha.

Esses tempos de quarentena se prestam muito a esse desserviço com a nossa saúde. São muitas informações ao mesmo tempo e acabamos absorvendo de forma errada por vezes, ou porque não prestamos tanto a atenção ou porque nos vemos equivocadamente nos sintomas. E não precisa ser hipocondríaco para cair nesses enganos inusitados.

Tenho outro conhecido que já teve todos os sintomas do coronavírus e já sarou umas quatro vezes. Basta ouvir na televisão que, se sentir isto ou aquilo, pode ser a doença que ele já absorve. Nunca foi hipocondríaco, mas deu de tomar remédios por conta em função da ansiedade. Deixou de ver tevê por isso. Só que assistiu “Pandemia” no Netflix. Não tem jeito.

A situação traz muitas confusões para todo mundo. Uma conhecida minha ficou com tanto medo que protagonizou uma cena hilária no banheiro do trabalho. Após fazer xixi, tocou na descarga usando papel higiênico, lavou as mãos com muita água e sabão e não se tocou mais para não se contaminar. Na hora de sair, não sabia como abrir a porta.

A primeira tentativa foi com o cotovelo. Era um trinco apenas. Ele não virara sem segurar. Tentou então com o sovaco, apertando no vão do braço, logo abaixo. A manobra quase deu certo. Não foi ao final porque manchou a manga da blusa com restos deixados por mãos sujas colocadas ali antes. Torceu o nariz. Míope, foi olhar de perto o trinco.

Inadvertidamente, uma colega de trabalho forçou a entrada pelo lado de fora, o gesto abriu o trinco de vez e a porta foi empurrada para dentro. Como estava muito perto da maçaneta, de boca aberta observando que havia tanta sujeira e não esperava que tentassem entrar, essa conhecida acabou tendo a maçaneta nojenta enfiada entre os lábios.

O namorado da minha vizinha, um sujeito que não é dado a muitas cerimônias, criou um grande embaraço também. Ela recomendou que ele tirasse os sapatos e as roupas e deixasse na entrada da casa para não contaminar dentro. O sujeito chegou sem fazer barulho, ficou nu na porta da casa e foi forçar a maçaneta para entrar, como de costume.

O problema é que a namorada estava vendo o noticiário, onde falavam da onda de assaltos que tem acontecido por conta do isolamento social. Envolvida com as informações, ela se assustou, abriu a porta sem acender a luz e encheu o namorado de pauladas com um pedaço de madeira que arranjou. Ele saiu pelado para a rua, gritando desesperado que era ele.

A frase do meu conhecido me perturbou, mas acabei esquecendo dela enquanto fui lembrando de todas essas maluquices que estão acontecendo por conta do coronavírus. Quando me dei conta de que, se tiver o gene e beber, é batata, já estava na quinta ou sexta dose. Então já havia uma confusão de pensamentos. A frase, o uísque, a pandemia.

Adormeci na área de luz de casa, esparramado como se fosse um saco de batatas. Não sei quanto tempo se passou. Os meus pensamentos embaralhados passaram dos episódios malucos para uma ficção futurista. De repente senti uma massa mole cobrindo o meu rosto. Seria uma legião de coronavírus? Não, não era. Era cocô de uma pomba desgraçada.

 

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Katia Mangualde Auvray
3 anos atrás

Parabéns, Eloy de Oliveira! Pelo concurso ganho e pela divertida crônica. Dei boas gargalhadas!!!

Anna Osta
3 anos atrás

Se tiver o dom, é batata. É o seu caso, Eloy!

Maria Christina Noronha Liberalesso
3 anos atrás

Muito bom, Marco!
Esse é o nosso Ettore.

[…] que foi uma das três vencedoras, é “Se beber, é batata” e pode ser lida também no link: https://www.asle.net.br/se-beber-e-batata/. Ela aborda de forma engraçada as dificuldades enfrentadas para se adaptar à nova realidade […]