O HOMEM ALTO e com voz de trovão metia medo em muita gente – e se divertia. Não era tudo isso. Ator, exercia diversos papéis dentro e fora dos palcos, todo o tempo. Pregava peças nos amigos e, muitas vezes, deixou ao sabor da vida a descoberta de suas artes, com o ar matreiro de menino e uma covinha no rosto.
Dono de um humor peculiar – fino – agradava a poucos, pela postura altiva e indomável. Fazia o que bem queria. Talvez a natureza liberta o tenha levado a ser adotado pelos três gatos.
À memória assombrosa somavam-se a linguagem precisa e a modulação hipnótica. Ah! Poucas pessoas têm o dom de arrebatar e aprisionar corações – ou despedaçá-los.
Contava causos hilariantes – de matutos a conterrâneos. Tinha o dom da graça. Gostava de rir e de fazer rir.
Era meticuloso: abria livros, comparava-os, anotava e correlacionava – mesma meticulosidade empregada nos detalhes da casa e de suas gavetas.
Recebia com a mesa farta, bom vinho e conversas intermináveis que se estendiam ao amanhecer – mas era parcimonioso na entrega do afeto.
O homem grande com voz de trovão tinha o coração doce, entrevisto em fragmentos por baixo da dura carapaça, ou colocado à mostra pela ação de um bisturi.
Teimoso, irascível, exigente, rigoroso, incansável em seu trabalho ou na execução de projetos, também era generoso, amigo, acolhedor e próximo.
Sensível, trazia das longas e múltiplas viagens, bonequinhas que pontuavam a sua trajetória e eu as ganhava. A última viagem já foi feita. Sem tempo ou espaço agora, você é tão livre quanto sempre desejou ser.
Shalom Aleichem, Valderez Antonio Bergamo Silva.

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