– Se alguém souber de alguma coisa que possa impedir este casamento, que fale agora ou cale-se para sempre.

Um silêncio tradicional começava a se ensaiar após a frase do padre, mas não durou muito para ser quebrado.

– Eu tenho padre, eu tenho.

O homenzinho sem muita expressão física, mas com uma voz de locutor, disse e se encaminhou para o altar.

Puxava a perna esquerda, porque ela não dobrava, o que dificultava seu caminhar.

Todos os convidados, o padre e o casal viraram-se para ele a fim de conhecer quais eram as razões que tinha.

Mas ele não disse antes de chegar ao altar, causando uma angústia enorme.

– Quem é ele?, perguntou o noivo.

– Não faço a mínima ideia, disse a noiva.

Quando chegou finalmente ao altar, o homenzinho voltou-se para o padre:

– Rosa não pode se casar com este homem, porque não é uma mulher.

Os cochichos que todos vinham trocando enquanto ele caminhava se tornaram vozerio como se a igreja fosse um bar.

O rosto de Rosa esquentou e avermelhou-se instantaneamente.

– Este homem é um louco, disse ela.

Roberval, o noivo olhou intrigado para a noiva querendo uma explicação.

– O nome dela é Jeferson. Ela nasceu em um sítio em Porto Feliz. Nunca quis ser homem, mas o destino fez assim.

– O senhor não pode dizer essas barbaridades sobre a minha noiva.

– Posso sim, porque eu sou o companheiro do Jefferson.

Mais vozerio e a igreja já não tinha clima para continuar aquele casamento.

Ao ouvir a declaração do homenzinho, Rosa deixou o altar chorando e correndo em direção à porta de entrada da igreja.

– Explique-se, por favor, disse o padre.

De repente, ouviu-se um tiro que acertou o lustre do meio da igreja.

Disparado por um homem mais velho que o primeiro, que estava na porta.

As pessoas se abaixaram com medo. Algumas correram em direção às portas laterais. Outras tentaram se esconder atrás do altar e do próprio padre.

Acostumado a ter dificuldades com alguns dos fazendeiros da região, o padre não se intimidou com o disparo.

– Onde o senhor pensa que está seu José? Não pode atirar dentro da igreja. Olhe o que fez com o lustre?

– Veja quanto custa o lustre e eu pago, disse o homem que atirou.

– Com certeza farei isto, mas não pode atirar assim na casa de Deus…

– Cale a boca padre.

Seguiu-se um oh em uníssono dos convidados, que tinham se calado alguns minutos antes com o tiro.

– Por que o disparo?, insistiu o padre.

– Porque isto aqui estava um mercado de peixe e eu estou sem paciência.

– Olhe, isto tudo está muito confuso. Minha noiva saiu nervosa. Esse homem está dizendo bobagens. O outro atirando. Para mim chega, padre.

O noivo também deixou a igreja.

– Bom, seu padre, acho que não tenho mais nada a fazer aqui, disse o homenzinho com voz de locutor, já saindo.

– Não senhor. Quero que explique essa história. Não nos deixe sem saber.

– Já disse tudo: Rosa é Jeferson e vive comigo. Portanto, não pode se casar com outro homem. Eu não poderia deixar.

O homenzinho começou a se encaminhar para a porta por onde entrou.

– E o senhor, senhor José? Por que fez o disparo? O que tem a ver com esse casamento ou esse quase casamento?

– Padre, eu vim para atestar o que o Mané disse sobre a noiva. Conheço os dois, porque eles moram na minha fazenda. Esse noivo apareceu por lá faz um tempo e se engraçou com a noiva.

– Bem, então não teremos casamento. Todos podem se retirar, disse o padre.

Só o homem que atirou foi embora.

Ninguém mais se mexeu do lugar.

Até que se ouviu um novo disparo. Depois outro. Um terceiro e um quarto.

Todos foram à porta da igreja para ver.

– Peguem esses dois, peguem, gritou o homem que havia atirado na igreja.

Os dois eram o noivo e a noiva. Eles estavam em dois cavalos que saíram em disparada. Fugiram assim que o homem que atirou na igreja deu a ordem.

Ao lado dele o homenzinho com voz de locutor estava estatelado no chão, alvejado por dois tiros no peito.

Os outros dois tiros haviam sido disparados pelo homem que deu a ordem para a perseguição, mas não atingiram ninguém nem impediram a fuga.

Vários capangas do mandante seguiram a ordem e perseguiram o casal.

– Eu não disse, seu padre. Esse noivo não é boa gente. Roubou o companheiro do meu caseiro e ainda o matou.

– Não é verdade, gritou uma mulher miúda, com pescoço comprido e fala fina.

– Quem é a senhora?, quis saber o fazendeiro que havia atirado na igreja.

– A mãe do noivo. Estou aqui para atestar que meu filho e Rosa não se juntaram quando Roberval foi a sua fazenda. Eles já eram apaixonados desde criança.

– O quê?, perguntou o fazendeiro.

– Sim, adotaram um menino até. Estava tudo certo até esse homenzinho aparecer. Ele descobriu que Rosa era transexual e ameaçou contar isso a todo mundo. Foi isto que separou o casal. Mas a Rosa nunca viveu com esse aí por vontade. Ele a manteve sob cárcere privado todo esse tempo e afastou o meu filho. Até que ele foi atrás dela e a salvou desse carrasco.

– Não acredito.

– Pois acredite. Agora, meu filho vai poder viver a sua história de amor. Roberval e Rosa serão muito felizes.

– Até serem presos, pode ter certeza.

– Veremos.

E nunca mais o casal foi visto na região.

Acredita-se que estejam vivendo felizes para sempre, mas isto é um segredo.

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